- Ministério tinha atribuído a militares escolha de laboratório de doleiro
Vinicius Sassine e Francisco Leali - O Globo
O Ministério da Saúde rejeitou em 2011, primeiro ano da gestão de Alexandre Padilha, uma parceria entre o Laboratório Farmacêutico da Marinha (LFM) e um laboratório privado para produzir o cloridrato de sildenafila, usado no tratamento de hipertensão pulmonar. Em 2013, no entanto, o mesmo ministério, também sob o comando de Padilha, aprovou a parceria para o mesmo medicamento, mas desta vez com outro laboratório privado: o Labogen S/A Química Fina e Biotecnologia, usado pelo doleiro Alberto Youssef para lavar dinheiro, como mostram as investigações da Polícia Federal.
A informação sobre o processo de 2011 foi repassada ao GLOBO pela Marinha, que, pela primeira vez, posicionou-se publicamente para contestar o Ministério da Saúde. A estratégia adotada até agora pela Saúde e por Padilha, hoje ex-ministro e pré-candidato ao governo de São Paulo pelo PT, era atribuir a escolha do Labogen exclusivamente ao Laboratório da Marinha. Mas não foi o que ocorreu, segundo nota enviada pela Marinha. A nota se refere a uma Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP), instrumento utilizado para fabricação de medicamentos a partir de transferência de tecnologia entre laboratórios.
“Ressalta-se que não houve prospecção, por parte do LFM, de nenhum laboratório privado, cabendo esclarecer que os laboratórios públicos é que são procurados por diversos laboratórios privados, farmacêuticos e farmoquímicos. No caso do medicamento Sildenafil, o LFM já havia apresentado, em 2011, uma proposta de PDP indicando um outro laboratório privado como parceiro. Entretanto, a proposta não foi aprovada pelo MS (Ministério da Saúde). Posteriormente, em 2013, apenas o laboratório Labogen procurou e apresentou uma proposta ao LFM para a produção do Sildenafil, tendo a mesma sido aprovada pelo MS”, diz a nota.
A nota passou por quatro instâncias da Marinha: pelo diretor do Laboratório Farmacêutico; pelo diretor de Saúde; pelo diretor-geral de Pessoal; e pelo comandante da Marinha, Julio Soares de Moura Neto. O contra-almirante José Roberto Bueno Junior, diretor do Centro de Comunicação Social, assina a resposta.
O GLOBO pediu ao Ministério da Saúde, via Lei de Acesso à Informação, cópia integral de todos os processos de PDPs envolvendo o Labogen, o que foi negado ao jornal. O ministério sustentou ter decretado o sigilo desses documentos, antes mesmo da Lava-Jato, e disse estar impossibilitado de liberar as informações também pelo fato de os processos servirem a um processo administrativo interno aberto para averiguar a parceria. O Labogen tinha interesse em cinco PDPs. Apenas a parceria com o Laboratório da Marinha foi adiante. Estavam previstos repasses de R$ 31 milhões para a compra do medicamento, mas, depois da deflagração da Lava-Jato pela PF, a pasta suspendeu a parceria. O contrato não foi assinado, e não houve repasse de dinheiro público.
Saúde diz que valores foram revistos
Sem fornecer os documentos, o Ministério da Saúde decidiu apresentar esclarecimentos. Nessas explicações, a pasta alegou que “cabe aos laboratórios públicos identificar os parceiros privados que detenham a tecnologia desejada para formatação da proposta”. O ministério, então, avalia a proposta. “A escolha do produtor privado é de responsabilidade do produtor público. O Ministério da Saúde não é signatário desses contratos, que são de responsabilidade integral do produtor público”, cita o documento enviado ao jornal.
O GLOBO enviou esse posicionamento à Marinha, que elencou quatro atribuições do ministério no “processo decisório de uma PDP”. As propostas são analisadas pelo Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde (Gecis); uma Comissão Gestora analisa e emite parecer conclusivo; a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos faz a apreciação final da parceria; e, então, é formalizado um termo de compromisso entre o ministério e o laboratório público. “Um possível contrato só seria assinado no quinto e último ano de vigência da PDP, se fossem cumpridas todas as etapas previstas em nota técnica do ministério”, diz a Marinha.
Na resposta ao GLOBO, o Ministério da Saúde disse que comissões técnicas identificaram a necessidade de revisar os preços propostos, com redução de 74% do valor total. Aprovado pelas comissões, o termo de compromisso foi assinado com o Laboratório da Marinha. “O governo economizaria, em cinco anos, R$ 29,8 milhões ao optar por esse tipo de compra” .