"Em alguns momentos, expectativas, especulações, avaliações subjetivas e até
mesmo interesses políticos podem obscurecer a visão objetiva dos fatos",
declarou a presidente Dilma Rousseff no que poderia perfeitamente ser uma
autocrítica sobre os rumos de seu governo. Mas não, é claro. Dilma falava de
economia e promovia seu governo diante de banqueiros e investidores estrangeiros
reunidos dias atrás na abertura do encontro anual do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), na Costa do Sauipe.
A esse seleto público, sem mencionar
o fato, mas também sem disfarçar a irritação com o recente rebaixamento da nota
de crédito do Brasil pela Standard & Poor's (S&P), Dilma Rousseff
reafirmou suas próprias expectativas, especulações, avaliações subjetivas e até
mesmo interesses políticos. O resultado foi uma visão muito pouco objetiva dos
fatos.
Em seu desabafo, a chefe do governo queixou-se do que classificou, numa clara
tentativa de desqualificar a S&P, de "julgamento apressado" da situação
econômica do País. Afirmou, no típico estilo ufanista do lulopetismo, que vai
continuar "trabalhando duro" para manter o País no "rumo certo". E concluiu,
triunfal: "Não vamos abdicar, em nenhum momento, do nosso compromisso
fundamental com a solidez da economia e com a inclusão e o desenvolvimento
social e ambiental do País". Ninguém se deu ao trabalho, certamente por
delicadeza, de perguntar quando esse compromisso começará a ser, finalmente,
cumprido.
A ênfase do pronunciamento da presidente da República revela que ela podia
até pensar que sabia o que estava falando, mas parecia não saber exatamente com
quem - uma plateia de homens de negócios estrangeiros. Garantiu que "o Brasil
vai bem e irá melhor" e gabou-se de o governo petista ter transformado o Brasil
na "sexta maior potência econômica do mundo". Banqueiros e investidores
internacionais não se sensibilizam com retórica palanqueira, com o discurso
vazio de quem, por se imaginar onisciente e infalível, se sente no direito de
ser levado a sério por qualquer bobagem que proclame.
Todo o constrangedor episódio da reação do governo à decisão da S&P, na
verdade, deve-se ao fato de a elite do PT só pensar nas eleições de outubro.
Dilma, desde o primeiro minuto, demonstrou enorme irritação, como se uma agência
de rating só existisse para apoquentá-la. Naquele mesmo instante exigiu do
ministro da Fazenda uma "resposta dura" ao que certamente considerou uma ofensa
pessoal. Mandou Guido Mantega denunciar a "inconsistência" do longo e
circunstanciado parecer da agência - cujas advertências e conclusões não
divergem das que vêm fazendo sérias e insuspeitas entidades nacionais, entre
elas o Banco Central.
A orquestrada reação oficial foi além das considerações técnicas de natureza
econômica e fiscal. Habitual porta-voz do Palácio do Planalto em situações de
confronto, coube ao ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, atribuir a
"interesses políticos" a atitude da S&P, chamando a atenção para a
"coincidência" entre as críticas feitas à política econômica pelo provável
candidato do PSDB à Presidência, o senador Aécio Neves, e os termos do parecer
da agência: "Eles vieram aqui de prato feito, já com a opinião formada. E o
Aécio está falando que já era esperada essa redução da nota do Brasil. É
estranha essa coincidência de discurso".
Por sua vez, o secretário-geral da Presidência, ministro Gilberto Carvalho,
encarregou-se de vasculhar o passado da S&P para descobrir que se trata de
uma agência que "mal conhece o País". Mas preferiu omitir o fato de que foi a
própria S&P a primeira agência a conferir ao Brasil, em abril de 2008, o
então celebradíssimo grau de investimento, agora rebaixado.
Essa reação comandada pela presidente Dilma, coerente com a tática consagrada
por Lula de que a melhor defesa é sempre o ataque, torna-se ainda mais
desarrazoada ao ser comparada com a serenidade e a racionalidade com que o
mercado - tão ou mais interessado no assunto que o governo - encarou a questão.
Mas não se pode esperar das pessoas mais do que elas são capazes de dar.