quinta-feira, 22 de junho de 2017

"O poder de uma toga", por José Casado

O Globo

Se tudo tivesse saído como esperava Mendes, o STF teria replicado o precedente que ele mesmo criou duas semanas atrás


Gilmar Ferreira Mendes completou ontem uma década e meia no plenário do Supremo Tribunal Federal. No fim da jornada, esse conservador de 61 anos percebeu, mais uma vez, que a toga proporciona muito poder a quem veste, mas nem sempre um juiz pode tudo.

Por ele, ontem mesmo o tribunal teria assumido o papel de moderador da crise política, confrontando o rumo de investigações sobre corrupção como as que envolvem 2,3 mil políticos em relações incestuosas com os grupos JBS e Odebrecht.
Em jogo está a validade de três dezenas de delações vitais nos inquéritos e processos da Operação Lava-Jato e apurações derivadas, como as do setor elétrico que atingem o coração do PMDB do presidente Michel Temer, dos senadores Renan Calheiros, Edison Lobão e Romero Jucá, entre outros, além do PSDB do senador afastado Aécio Neves.
O julgamento será retomado hoje. Já são dois os votos declarados contra a tese defendida por Mendes, o juiz do Supremo com mais visibilidade nos bastidores da política e com um grupo fiel de seguidores nos plenários de tribunais superiores.
O desfecho é imprevisível, até porque juízes que já votaram podem mudar de opinião, mas ontem era possível vislumbrar uma tendência de maioria no STF contra ressalvas ou nulidade dos acordos realizados pelo Ministério Público Federal.
Caso a maioria do Supremo tivesse decidido ontem mesmo, questionando os acordos de delação negociados pelo procurador-geral, Rodrigo Janot, como desejava Mendes, o país acordaria hoje sob efeito de um forte estresse políticojudicial. Isso porque teria sido jogada na incerteza o futuro da Lava-Jato e operações derivadas de repressão à corrupção.
Em consequência, teria aumentado o nível de insegurança jurídica numa nação reconhecida pela tradição de impunidade dos dirigentes políticos e cujos tribunais encontram-se, literalmente, soterrados em processos não decididos: quatro em cada dez que habitam as cadeias, todos pobres, são presos provisórios à espera de sentença definitiva; nos protocolos dos tribunais já são 986,7 mil as ações paralisadas à espera de regras de aplicação da “repercussão geral” determinada pelo STF nos mais variados temas.
Ontem, se tudo tivesse saído como esperava Mendes, o Supremo teria replicado o precedente que ele mesmo criou duas semanas atrás, no Tribunal Superior Eleitoral, ao decidir o destino dos réus Michel Temer e Dilma Rousseff, em processo por abuso de poder na eleição presidencial de 2014. Sobre mesa havia um excessivo conjunto de provas, mas o juiz Mendes argumentou que entre a sanção prevista em lei a possibilidade de ampliar a instabilidade política no país, preferia ficar com a circunstância política.
Na essência, o quadro se repete no caso em julgamento no Supremo. A delação do grupo JBS contra o presidente, cinco ministros, quatro governadores, seis senadores e 15 deputados federais, entre outros governantes.
No Congresso, entende-se que a nulidade dos acordos de colaboração equivaleria à transformação do Judiciário em virtual poder Moderador, com revogação da autonomia constitucional do Ministério Público.
O voto de Mendes, hoje, pode influenciar a maioria no plenário — contra ou a favor dele.
Gilmar Mendes, ministro do STF (Foto: Divulgação)Gilmar Mendes, ministro do STF (Foto: Divulgação)