terça-feira, 6 de junho de 2017

Fábio Giambiagi: "Riscos da virada"

O Estado de São Paulo


Não há dúvidas de que o comportamento do nível de atividade a partir de meados de 2016, após a mudança de governo, foi decepcionante, comparativamente às expectativas que parte do mercado tinha há aproximadamente um ano. Também não há dúvidas de que ocorreu algo diferente em relação ao padrão registrado em outras oportunidades, quando, na esteira de uma recuperação da confiança, houve um aumento, pouco tempo depois, dos índices de desempenho do nível de atividade.
Por outro lado, a interpretação de muitos analistas – incluindo este articulista – de que as ações tomadas pelo novo governo poderiam melhorar os indicadores de confiança e, na sequência, contribuir para estimular determinadas decisões de gasto que alavancassem a economia, ainda que com alguma defasagem, continuaram fazendo sentido.
Há duas explicações para o fato de isso não se ter dado de forma mais rápida. A primeira é que a incerteza não desapareceu do cenário nesse período. Se com o impeachment se desvendou uma das incógnitas existentes no começo de 2016 e a escolha de uma excelente equipe econômica representou um sinal de previsibilidade extremamente importante, persistiram no cenário político dúvidas críticas acerca dos destinos do País. Possibilidades como a eventual cassação da chapa completa Dilma-Temer no julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a convocação de uma eleição indireta cujos contornos ninguém sabia bem quais poderiam ser continuaram sendo discutidas ao longo dos meses, turvando o horizonte de referência para as decisões de investimento, seja de particulares como de empresas. O Brasil nunca foi a Suíça, onde o cidadão acorda e vai trabalhar sem que sua vida dependa muito do que o governo faz ou deixa de fazer, mas o que aconteceu no Brasil nos últimos dois anos alcançou o paroxismo: nunca nossos destinos dependeram tanto do desenrolar do jogo político em Brasília como no período 2015-2017.
A segunda explicação é que aos efeitos da incerteza se foi somando com o tempo uma segunda interpretação acerca das raízes da crise, associada às dívidas excessivas assumidas em anos anteriores e que precisariam ser “digeridas” pelo sistema. A conclusão de que, mesmo na presença de um horizonte melhor, famílias e empresas teriam de dispor de tempo para processar a desalavancagem parcial de suas posições foi tomando corpo na avaliação da conjuntura.
Em ambos os casos, até meados de maio o País guardava a expectativa de estar começando a assistir aos primeiros sinais de um movimento de “virada”, a serem ainda confirmados, pela evolução futura das variáveis. Os dados animadores acerca do nível de atividade no primeiro trimestre – corroborados depois pela divulgação do PIB do trimestre –, embora muito influenciados pela agricultura e que dificilmente se repetiriam na mesma intensidade no segundo, apontavam nessa direção. Vejamos o conjunto da situação por partes. Nesse sentido, havia quatro sinais claros:
- A reforma da Previdência, iniciativa-chave sobre cujas chances de aprovação havia inicialmente muitas dúvidas, começara a tramitar a uma boa velocidade para o que são os ritos parlamentares no Brasil, com chances de ser promulgada no terceiro trimestre do ano;
- a inflação, que tinha alcançado 10,7% em 2015 e ainda no primeiro semestre de 2016 fechou com uma taxa acumulada em 12 meses de 8,8%, encerrou o ano passado em 6,3% e nos últimos 12 meses completados em abril já se situava em 4,1%, com chances concretas de ser da ordem de 4% no final do ano, até mesmo abaixo da meta de 4,5%;
- na esteira desse movimento, a taxa Selic, que escalara até 14,25%, começou a declinar e já se encontra em torno de 10%, com perspectivas de cair a níveis em torno de 8,5% a 9% até o final do ano em curso;
- as taxas de juros reais das NTN-Bs longas, que no primeiro semestre de 2016 se situavam no patamar de 6,5% a 7,5%, estavam claramente a caminho dos 5% até meados de maio, com “viés de baixa” se houvesse um cenário de calmaria econômica.
No campo creditício, por sua vez, há que registrar, como elemento-chave da análise, que, no caso das famílias, o seu endividamento, conforme dados do Banco Central, expresso como proporção da renda acumulada em 12 meses, caiu de 46% em 2015 para um pouco menos de 42% atualmente, o que provavelmente deverá ensejar uma redução do comprometimento da renda com o seu pagamento, em razão do processo de redução da taxa de juros.
Em resumo, se o conjunto de sinais acima expostos fosse confirmado nos próximos meses, nós poderíamos ter começado uma recuperação consistente do nível de atividade. Por causa do efeito estatístico da trajetória de 2016 sobre a produção média de 2017, isso ainda não seria suficiente para aspirarmos a ter um bom número do produto interno bruto (PIB) em 2017, mas, se a partir do quarto trimestre deste ano a economia crescesse a um ritmo médio entre 0,7% e 0,8% ao ano (2,8% a 3,2% anualizados), assumindo um crescimento trimestral de 0,2% no segundo e no terceiro trimestres, em 2018 o Brasil poderia crescer entre 2,5% e 2,8%.
Foi nesse contexto que o País foi sacudido pelos acontecimentos de meados de maio, com os fatores de incertezas que se seguiram afetando, ao menos temporariamente, as chances de aprovação da reforma previdenciária, no conturbado cenário político de Brasília. Agora há risco de o movimento de recuperação iniciado com muitas dificuldades ser prejudicado. Por isso, para resgatar as condições de aprovação de reformas fundamentais e salvar o crescimento de 2018, é essencial que a crise política seja equacionada e o País recupere um horizonte razoável de previsibilidade. Sem isso poderemos deixar para o próximo ano um carry over muito modesto, o que, depois de quatro anos de crise, seria extremamente frustrante.