quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

"Juros reduzem a inflação, e foi isso o que aconteceu no Brasil em 2016", por Alexandre Schwartsman

Alan Marques/Folhapress
Presidente do BC, Ilan Goldfajn, comanda a reunião do Copom
O presidente do BC, Ilan Goldfajn, comanda reunião do Copom


Andei investigando crime e policiamento. Em 1.323 episódios cobrindo 119 países, descobri que não há nenhuma relação entre esses fenômenos. O maior caso de sucesso foi a redução do policiamento: em 62,18% dos casos o crime caiu quando isso ocorreu.

Em contraste, em apenas 50,75% dos casos em que houve aumento do policiamento o crime caiu, enquanto em 53,45% dos casos em que não se mexeu no policiamento o crime caiu da mesma maneira.

Conclui-se, assim, que gastos com policiamento representam apenas uma transferência de renda para grupos privilegiados (segundo Daniel Cerqueira, do Ipea, gastos com segurança pública equivaliam a 5,4% do PIB em 2014, quase 11 vezes o gasto com o Bolsa Família naquele ano).

Ok, já posso parar a brincadeira, torcendo para que nenhum dos 18 leitores tenha desistido ali pelo final do primeiro parágrafo: é óbvio que policiamento tem relação estreita com criminalidade (na verdade, duas, e esse é o problema).

Não há dúvida de que o aumento do policiamento reduz a ação criminosa. No entanto, em geral, mais policiamento não é uma decisão independente da criminalidade: o poder público reage ao aumento dos crimes botando mais polícia na rua.

O pesquisador ingênuo que observa apenas a correlação entre um fenômeno e outro não demora a notar que essa parece ser zero. Há casos em que o crime aumenta quando há mais policiais na rua (espelhando a segunda relação) e há casos em que a elevação do policiamento reduz a criminalidade (a primeira relação), o que leva ao tipo de confusão que descrevi no primeiro parágrafo.

Há momentos, porém, em que os fenômenos ocorrem (quase) como que em laboratório e são por isso chamados de "experimentos naturais".

Tome-se, por exemplo, o acontecido no Espírito Santo, quando a greve dos policiais reduziu seu efetivo nas ruas, não por uma queda de criminalidade, mas por motivo externo (ou "exógeno").

Nesse caso, houve um grave aumento da criminalidade em resposta à redução "exógena" do policiamento.

Em outras palavras, nosso "experimento natural" confirma que mais polícia na rua diminui o crime (e vice-versa).

Na verdade, se trocarmos "policiamento" por "taxa de juros" e "criminalidade" por "inflação", teremos o "estudo" descrito por Clóvis Rossi em sua coluna de domingo (19).

Como na minha investigação fictícia, em muitos casos a taxa de juros cai porque a inflação (esperada) também cai, como hoje no Brasil; em outros casos, a taxa de juros sobe porque a inflação esperada se eleva.

O pesquisador despreparado, que ignora que as relações de causa e efeito correm tanto da taxa de juros para a inflação como da inflação para a taxa de juros, comete o mesmo erro acima: conclui que não há relação entre essas variáveis quando na verdade elas existem.

Não há muitos "experimentos naturais" na área. Uma possível exceção foi a redução na marra da Selic entre 2011 e 2012, que levou à aceleração da inflação logo em seguida.

Há também técnicas estatísticas que permitem superar o problema e elas apontam robustamente que aumento do juro reduz a inflação, o que, aliás, foi exatamente o que ocorreu no Brasil ao longo do ano passado.

O que apenas prova outra relação estatística robusta: quem menos entende de um assunto é tipicamente o mais inclinado a dar palpite.