Para autoridades das Nações Unidas, momento é 'crítico'
GENEBRA – O governo americano de Donald Trump considera deixar o principal órgão da ONU para Direitos Humanos. O Departamento de Estado norte-americana estaria avaliando a permanência do país no Conselho de Direitos Humanos, entidade que nesta segunda-feira teve sua primeira sessão do ano. A possível saída dos EUA dominou todos os discursos, com a cúpula da ONU alertando para os riscos de um colapso das instituições internacionais e o “caos” que poderia ser gerado.
Durante sua sabatina no senado, a embaixadora dos EUA para a ONU, Nikki Haley, chegou a questionar publicamente o órgão, composto por 47 países. “Qual o objetivo do Conselho quando eles permitem que Cuba ou China façam parte dele?”, questionou. “Eles estão basicamente protegendo seus interesses, enquanto perseguem outros países para garantir que tenham dificuldades”, disse. “E portanto, queremos fazer parte disso?”, indagou.
Segundo ela, em uma década, 62 resoluções foram aprovadas no Conselho da ONU condenando “ações razoáveis de Israel para defender sua segurança”. “Enquanto isso, os maiores violadores de direitos humanos na Síria, Irã, Coreia do Norte receberam um número menor de condenações”, disse.
A ameaça da saída dos EUA passou a preocupar diplomatas em Genebra, temendo um esvaziamento do organismo. Um ex-funcionário do Departamento de Estado ainda teria revelado ao site Politico que fez parte de discussões indicando que a saída do órgão poderia estar se preparando, em parte como reação às acusações dos demais países contra Israel.
A decisão caberá ao chefe da diplomacia americana, Rex Tillerson. Nesta segunda-feira, em Genebra, o assento americano estava ocupado por uma representante de Washington, ainda que não em sua capacidade de embaixadora.
Um abandono dos EUA não seria inédito. Em 2006, quando o organismo foi criado, o governo de George W. Bush também optou por ficar de fora, o que foi revertido por Barack Obama em 2009.
O temor de uma saída dos EUA foi alvo de alerta por parte dos principais nomes da ONU. Ao abrir a sessão nesta segunda-feira, o novo secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, deixou claro que as instituições estão sob ameaça. “O populismo está se espalhando pelo mundo. Essa é uma doença que está se proliferando”, disse. “Vivemos um mundo turbulento, incerto. Novos conflitos se multiplicam e os velhos não morrem”, afirmou o português.
Sem mencionar o governo americano e nem o novo presidente, Guterres apontou que ideias como as que foram propostas em Washington violam os princípios da ONU. “Vemos o aumento do populismo, que alimenta racismo e intolerância, contra judeus, muçulmanos, gays e minorias”, disse.
“Os direitos de imigrantes e refugiados estão sob ataque. Precisamos fazer o que podemos para garantir proteção do regime de refugiados”, apelou, depois que o governo dos EUA passou a sugerir reformas importantes no acesso de estrangeiros e numa política que ganhou aplausos de grupos de extrema-direita na Europa. “Temos uma responsabilidade coletiva”, disse.
Guterres também fez questão de mencionar ideias levantadas por Trump de que o governo americano poderia restabelecer a tortura como método de questionamento de detentos. “Precisamos resistir apelos pela tortura. É covardia e não produz resultados”, declarou. A independência da imprensa, também sob ataque nos EUA, foi alvo de comentários de Guterres em seu primeiro grande discurso. “Jornalistas são essenciais para a democracia”, disse. “Eles precisam operar com garantias e sem interferências”, insistiu.
Zeid Al Hussein, alto comissário da ONU para Direitos Humanos, também denunciou nesta segunda-feira “líderes que ameaçam direitos básicos” e fez questão de lembrar que o mundo tem muito a perder se os organismos e leis forem abandonadas. “Sem esses direitos, teremos caos, miséria e guerras”, alertou.
Para ele, os protestos do dia 21 de janeiro contra o governo Trump foram atos “pelos direitos de todos nós”. “Para os atores políticos que, como na era da Liga das Nações ameaçam abandonar o sistema multilateral, as sirenes da experiência histórica devem ser sinais claros”, disse Zeid, em referência à Segunda Guerra Mundial. Não vamos ficar só observando”, prometeu, indicando que vai resistir. “O futuro do planeta não pode ser ameaçado por esses políticos imprudentes e que só querem garantir seus benefícios”, completou.
Louis Charbonneau, diretor da Human Rights Watch, chamou a decisão dos EUA de considerar uma saída de “míope” e “duro golpe” contra a ONU.