quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Lava Jato retoma negociações de delações, com mais de 20 candidatos na fila

Ricardo Brandt, Fausto Macedo, Julia Affonso e Fábio Serapião - O Estado de São Paulo

Conclusão de acordo da Odebrecht vai influir nas tratativas com investigados da Lava Jato, avalia força-tarefa; lista inclui ex-gerente da Petrobrás, ex-marqueteiro do PT, lobista e executivos de empreiteiras


Mônica Moura e João Santana foram transferidos para presídio estadual. Foto: Geraldo Bubiniak/AGB
Mônica Moura e João Santana, que retomarão negociação de delação. Foto: Geraldo Bubiniak/AGB
Uma fila com mais de 20 candidatos a delatores retoma as tratativas por acordos de colaboração premiada e leniência com procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato, em Curitiba, ainda este mês. São executivos de empreiteiras, agentes públicos indicados aos cargos por partidos e políticos, lobistas e operadores financeiros, acusados de corrupção na Petrobrás. Suas negociações foram suspensas, no fim de 2016, para o fechamento do acordo da Odebrecht – que tem 77 executivos e mais de 900 depoimentos e aguarda homologação no Supremo Tribunal Federal (STF).
Entre os candidatos a delatores da Lava Jato estão o ex-diretor da Petrobrás Renato Duque, o ex-marqueteiro do PT João Santana, o lobista Adir Assad, executivos das empreiteiras Mendes Júnior, Galvão Engenharia, Delta e EIT. Com cláusula de sigilo obrigatório para as tratativas, as defesas dos investigados não comentam os acordos.
Todos iniciaram, em 2016, conversas com o Ministério Público Federal (MPF), via advogados de defesa, em busca de uma redução de pena nos processos sob a guarda do juiz federal Sérgio Moro, em Curitiba – onde estão os casos de alvos sem foro privilegiado. Algumas se arrastam, sem uma definição, há quase um ano. Outras são tratativas que envolvem mais de uma pessoa.
O conteúdo das revelações propostas tem potencial para atingir os governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff e ainda expandir as apurações para gestões estaduais.
É o caso do lobista Adir Assad e sua rede de mais de 18 empresas de fachada. Firmas que só existiam no papel, como a Rock Star Marketing, a Legend Engenheiros Associados, a Soterra Terraplanagem, a JSM Engenharia e Terraplanagem, movimentaram mais de R$ 1,2 bilhão. Dinheiro de propinas da Petrobrás e também de contratos de obras de metrô e rodovias, em São Paulo, Rio e outros Estados.
NOTA CDV
Em quase três anos de investigações, a força-tarefa em Curitiba fechou 71 acordos de delação e sete acordos de leniência com empresas (espécie de delação para pessoa jurídica).
Além das delações feitas no Paraná, há outras 24 homologadas pelo ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, que vai decidir sobre a validade do acordo da Odebrecht. A corte máxima concentra processos contra alvos com direito a foro privilegiado.
As delações formam um dos pilares que garantiram à Lava Jato a identificação de provas para conseguir 120 condenações na Justiça Federal e para manter as investigações em constante expansão. Da lavagem de R$ 1,4 milhão de dinheiro do mensalão por familiares do ex-deputado federal José Janene (morto em 2010), inicialmente foco da Polícia Federal, em 2013, o caso chegou a um rombo de mais de R$ 40 bilhões na Petrobrás.
Segundo as denúncias, uma organização criminosa formada por quatro núcleos (político, agentes públicos, empresários e operadores) fraudou contratos da estatal entre 2004 e 2014 e desviou de 1% a 3% de propinas para políticos e partidos, que detinham o comando de cargos estratégicos da estatal.
Prédio da Odebrecht em São Paulo. Foto: Jf Diório/ Estadão
Odebrecht em São Paulo. Foto: JF Diório/ Estadão
‘Efeito Odebrecht’. Procuradores das força-tarefas da Lava Jato, em Curitiba e Brasília, ouvidos pela reportagem avaliam que as negociações de novas delações sofrerão um “efeito Odebrecht”. Além de reduzir o espaço para novas empreiteiras, as revelações feitas por executivos do grupo devem arrastar mais empresas, negócios, políticos e operadores financeiros para o foco das apurações.
Um dos fatores é o elevado volume de provas guardado no Setor de Operações Estruturadas, o “departamento da propina” da Odebrecht, que centralizou o controle e o ordenamento das despesas de propina, e também a estrutura operacional para lavagem de dinheiro.
Outro “efeito Odebrecht” será o aumento na exigência de provas ou de fatos novos a serem apresentados pelos investigados. Pela lei, em busca de uma redução de pena, os candidatos a delatores têm de confessar crimes e apresentar fatos de ilícitos desconhecidos dos investigadores, além de elementos de provas sobre o que dizem. Para ter validade, a colaboração precisa ainda ser corroborada com provas e documentos levantados pelos investigadores.
Provas. Negociações de delação foram encerradas por falta de informação ou provas relevantes para as investigações, explicou em reservado um dos investigadores, envolvido diretamente nas tratativas.
Foi o que aconteceu com as negociações de delação das empreiteiras OAS e Engevix. O vazamento de dados serviu para que o Ministério Público desse por encerradas as tratativas. Mesmo assim, são acordos que podem ser retomados, caso sejam apresentados novos dados de relevância para a apuração.
O ex-diretor de Serviços da Petrobrás, por exemplo, tenta pela terceira vez um acordo de colaboração. Condenado em mais de uma ação penal e preso desde março de 2015, ele foi indicado ao cargo – que ocupou de 2003 a 2012 – pelo PT e já teve sua proposta de acordo rejeitada. Nos itens agora a serem revelados, Duque promete falar do suposto envolvimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no esquema de corrupção na estatal. Suas negociações estão sujeitas ao “efeito Odebrecht”.
Adir Assad (à esquerda) e Duque. Foto: Rodolfo Burher/Reuters
Adir Assad (à esq.) e Duque. Foto: Rodolfo Burher/Reuters
Lula é réu em um processo aberto por Moro, em 2016, sobre o tríplex do Guarujá (SP), que ocultaria propinas da OAS – e deve ser encerrado este ano. Ele está denunciado também pela compra de um apartamento, em São Bernardo do Campo, e de um terreno para o Instituto Lula, pela Odebrecht, e é alvo de pelos menos outros três inquéritos na Polícia Federal.
Outra delação que tem potencial para atingir Lula e está sujeita a alterações, com as revelações da Odebrecht, é do ex-marqueteiro do PT João Santana e de sua mulher e sócia, Mônica Moura. Responsáveis pelas campanhas presidenciais de Dilma, em 2010 e 2014, e de Lula, em 2006, o casal foi preso em fevereiro do ano passado e negocia desde julho um acordo com a força-tarefa, sem sucesso. Com as revelações da Odebrecht, que pagou o marqueteiro no Brasil e no exterior, devem aumentar as exigências, por parte dos procuradores.
Núcleo político. Com a homologação da delação da Odebrecht – prevista para fevereiro, no Supremo –, a força-tarefa espera também que aumente a procura por acordos por integrantes do núcleo político da organização acusada de corrupção na Petrobrás. “O maior espaço que existe hoje para delações é para assessores de políticos e políticos”, afirmou um investigador, em reservado.
No decorrer das investigações da Lava Jato, quem buscou primeiro um acordo de colaboração dentro do seu núcleo de atuação acabou obtendo benefícios. Entre os agentes públicos, por exemplo, o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa – primeiro grande delator do caso – obteve o melhor acordo. Preso em abril de 2014, desde dezembro do ano passado cumpre pena em casa. Com empresários e operadores financeiros, a regra foi a mesma.
“Assessores de políticos e políticos que tiveram envolvidos com alguma corrupção devem buscar a Procuradoria.”
A Lava Jato tem apenas duas delações de políticos: a do ex-líder do PT no Senado Delcídio Amaral – que falou após ser preso em flagrante – e a do ex-presidente da Transpetro e ex-deputado Sérgio Machado. Ambas homologadas no Supremo, mas com validade para as investigações em Curitiba.
Outro político que fez acordo de delação com a Lava Jato é o ex-deputado federal Pedro Corrêa, ex-líder do PP, condenado no mensalão, em 2012, e pelo juiz Sérgio Moro, no caso Petrobrás, em 2016. Sua delação, no entanto, aguarda homologação no STF, que pediu mais provas e uma redução nos depoimentos.
Dois medalhões da política, presos pela Lava Jato em Curitiba, integram a lista de candidatos a delatores mais temidos: o ex-ministro Antonio Palocci (Fazenda, governo Lula, e Casa Civil, governo Dilma) e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Os dois, no entanto, não têm tratativas formais iniciadas com a força-tarefa, até aqui.
Defesas. Os advogados de Renato Duque, Adir Assad e João Santana não quiseram comentar o caso, por envolver assunto sob sigilo. Os advogados dos executivos da Mendes Júnior e da EIT também não se manifestaram. Os representantes da Galvão e da Delta não foram localizados.