terça-feira, 10 de janeiro de 2017

"Educação e livre pensar", por Tania Zagury

O Globo

Faz parte da formação pedagógica docente aprender a ser equânime



Há mais de quatro décadas aprendi que, numa sociedade democrática, professores têm o compromisso inalienável de descortinar para o aluno a multiplicidade do pensamento humano. Significa dizer que, independentemente do que pensa cada um, cabe-nos apresentar o mosaico de ideias, sistemas, linhas políticas etc. que coexistem na sociedade. 

Apresentar uma apenas ou qualificar tal ou qual como “certa” ou “errada” é direcionar a aprendizagem. Na sociedade democrática, o professor deve não apenas apresentar à turma todas as facetas da realidade, como promover ações que façam refletir sobre elas, utilizando, por exemplo, textos de autores de correntes diversas, de forma que o aluno possa conhecer diferentes formas de pensar uma mesma situação.

Um dos mais caros objetivos da educação atual é ensinar a pensar. Direcionar conceitualmente alunos é justo o oposto de fazer pensar. Não implica que não se tenha posição ideológica; nem que não se possa, em situações específicas, declarar que ideias se defende. Significa, antes de tudo, que se respeita o direito de o aluno fazer suas próprias escolhas. Sei o quanto é difícil não dar ênfase às ideias nas quais acreditamos, mas faz parte da formação pedagógica docente aprender a ser equânime (dar iguais oportunidades a todos). O aluno aprende a pensar lendo e discutindo. Ao final desse processo é que forma conceitos — com total autonomia. Ao induzir a pensar de forma pré-determinada, a escola se coloca a serviço de interesses pessoais ou de grupos. E, embora tenhamos nossas posições (e não apenas em relação à política), é dever do profissional democrático não direcionar mentes. A escola com partido é autocrática justamente porque impõe o que e como pensar. Não por acaso foi adotada em países como Cuba e a antiga URSS.

No Brasil, a discussão começou quando o governo federal, faz três ou quatro anos, resolveu institucionalizar a escola com partido, passando a comprar, para distribuição à rede pública, somente livros que expressassem o ideário que defendiam — impedindo assim o acesso dos alunos a outras formas de pensar. A meu juízo, tal prática vai contra a nossa Carta Magna, que defende a pluralidade e a não discriminação, inclusive de ideias.

Em decorrência, um fato bem grave vem surgindo, tão pernicioso quanto conduzir mentes. 

Em consequência do medo da partidarização do ensino, membros do Poder Legislativo de vários estados têm apresentado projetos visando a criminalizar o professor que adote a escola partidária. Se virar lei, trará muitos problemas; o mais imediato talvez seja responder: a quem nossos legisladores pensam caber tal tarefa? Diretores de escolas, coordenadores, colegas? Aos alunos e pais? Já vimos esse filme antes.... Ou não? Não é muito mais democrático zelar pela qualidade da formação docente — em que, penso, o problema se insere —, em vez de transformar a educação em caso de polícia?

Tania Zagury é filósofa e escritora