quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

"Como nascem as gangues e facções das cadeias", por Leandro Narloch

Folha de São Paulo


A matança nas penitenciárias brasileiras leva à rápida conclusão de que gangues e facções são a raiz da violência dos presídios. Mas talvez exista aí uma falácia de relação e causa —não é porque duas coisas acontecem juntas que uma é causa da outra.

David Skarbek, professor de economia do crime organizado do King's College, em Londres, aposta na ideia contrária: gangues dominam tantas prisões no mundo porque são uma forma improvisada de os presos garantirem segurança e ordem para si próprios.

No livro "The Social Order of the Underground", o economista combina análises da Teoria da Escolha Pública com depoimentos de integrantes de gangues de penitenciárias da Califórnia. Conclui que as gangues ajudam a proteger direitos de propriedade, garantem a execução de contratos e promovem estabilidade para o tráfico de drogas e o comércio (quase sempre ilegal nas cadeias).

A intenção de Skarbek não é tratar os presos como bons selvagens ou romantizar o crime organizado, mas entender por que milícias, máfias e facções brotam em tantas penitenciárias do mundo. E por que as prisões são o único ambiente em que homens de meia idade participam de gangues.

Ao ingressar numa prisão, um condenado sabe que passará anos vulnerável à violência de outros presos. Por mais que os guardas se esforcem, não são capazes de evitar roubos e agressões, garantir a punição de agressores ou resolver conflitos. Num lugar assim, ficar sozinho não é uma boa ideia. O preso, para se proteger, precisa arranjar outra "instituição de governança".

Essa instituição, diz Skarbek, são "sistemas de responsabilidade comunitária" como as gangues. Os integrantes desse tipo de comunidade são responsáveis pela proteção e pelas ações dos colegas. Se alguém pisar na bola, todos pagam. Por isso há pressão entre os membros para que andem na linha.

As gangues não são a origem da violência, diz Skarbek, mas o sintoma da falta de instituições de proteção. Para ele, a melhor forma de combater a violência desses grupos é eliminando a demanda pelas facções —por meio de cadeias menores que forneçam mais segurança mediação de conflitos aos presos.

O mais interessante é que as facções das cadeias com frequência derivam para um fenômeno parecido ao que deu origem a monarquias europeias, dinastias chinesas e estados em geral. O ponto de partida é a "guerra hobbesiana", a guerra de todos contra todos. Para não ter que lidar com a insegurança a todo momento, os indivíduos buscam proteção aderindo a gangues ou coroas. Não demora para esses grupos entrarem em guerra. Quando o conflito acaba (com uma aliança ou a vitória de um dos lados), um monopólio de violência se forma e a paz começa a reinar. O massacre em Manaus, desse ponto de vista, é uma miniatura de batalhas da Guerra dos Cem Anos ou da Segunda Guerra Mundial.