O acadêmico venezuelano radicado nos Estados Unidos Moisés Naím, ex-colunista da Folha, incendiou nesta quarta-feira (18) um monótono debate sobre o futuro da América Latina ao cunhar uma sinistra frase de efeito:
"A América Latina desenvolveu uma coexistência pacífica com a morte."
Jose Cabezas - 04.abr.2016/Reuters | ||
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Soldados em frente a pichação associada à facção Mara Salvatrucha em Quezaltepeque, El Salvador |
De fato, o subcontinente mostra-se anestesiado mesmo ante o fato de que, com apenas 8% da população mundial, registra 31% das mortes ocorridas no planeta.
Naím acrescentou que há zonas em guerra que são mais perigosas que a América Latina, mas "nunca se fala nisso".
O presidente paraguaio Horácio Cartes reforçou: "Na América Central, ocorrem mais homicídios do que no resto do mundo".
Para comprovar que, de fato, há "uma coexistência pacífica com a morte", a secretária-geral iberoamericana, Rebeca Grynspan, interferiu com a observação de que a maioria das mortes se dá por conflitos entre gangues.
É de fato assim, tanto no Brasil, como, por exemplo, em El Salvador, mas continuam sendo mortes e continuam sendo motivo de inquietação e medo para o conjunto da sociedade, não apenas para as gangues.
É o que demonstra, por exemplo, o acesso debate em andamento no Brasil a partir das revoltas nos presídios.
Naím soltou observação outra incômoda: os governos não vão conseguir, sozinhos, conter a epidemia. Pregou uma mobilização geral da sociedade, envolvendo todos os atores, de sindicatos à televisão, da igreja aos militares.
Rafael Andrade - 28.abr.2011/Folhapress | ||
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Moises Naím em seminário do Fórum Econômico Mundial no Rio, em abril de 2011 |
Gruynspan incluiu na equação o engajamento dos Estados Unidos, o que faz todo o sentido: é o maior consumidor de drogas do mundo –e o narcotráfico é o principal agente da carnificina, como disse o presidente Cartes.
O mandatário paraguaio lembrou também que o narcotráfico é um problema transnacional, mas não é tratado como tal –o que significa que os governos nacionais, por mais esforços que façam, tendem a perder a batalha para a morte.
Carnificina à parte, o debate sobre América Latina foi tão repetitivo que Naím ironizou: se voltássemos ao ano 2000, a agenda que estaríamos debatendo seria a mesma.
De fato seria, envolvendo desigualdade, informalidade, produtividade, educação de má qualidade, desemprego.
A novidade veio pela introdução do tema Venezuela, caro a dois dos debatedores, por serem venezuelanos (além de Naím, Ricardo Hausmann, da Kennedy School of Government).
Mas também nesse capítulo há leniência, especialmente de parte dos governos latino-americanos, por mais que, para Naím, a Venezuela seja "um estado falido".
Acrescentou que o país fazia, com Hugo Chávez e agora com Nicolás Maduro, uma "coreografia democrática", quando não passa de uma "moderna autocracia do século 21".