sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

"À espera de algo mais do que corte de juros", editorial de O Globo

Há uma agenda de discussão sobre as causas de taxas elevadas no país, mas também acerca das razões que levam a economia a conviver com um elevado custo do dinheiro


A aceleração dos cortes na taxa básica de juros (Selic), pelo Conselho de Política Monetária, do Banco Central, gerou uma compreensível melhoria no ânimo diante de 2017. 

Depois de duas reduções consecutivas de 0,25 ponto, a mudança de patamar no corte para 0,75, ficando a Selic em 13%, reflete, por óbvio, uma percepção otimista da direção do Banco Central diante do comportamento da inflação nos próximos meses. Percepção compartilhada com o mercado.

O BC, conforme a ata da última reunião do Copom, continua a trabalhar com uma estimativa de aproximadamente 4% para a inflação deste ano — contra 6,29% em 2016 —, abaixo da meta de 4,5%. Já o mercado, cujas projeções são reunidas no relatório Focus, divulgado pelo BC, reduziu a mediana de suas estimativas, em uma semana, de 4,81% para 4,5%.

O sentido positivo de sondagens, projeções e análises foi confirmado pelo próprio presidente do BC, Ilan Goldfajn, em entrevista, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, em que disse ser a diminuição de 0,75 ponto da Selic o “novo ritmo” da política monetária.

O conteúdo da ata do último Copom e a declaração de Goldfajn levam os analistas a refazer projeções. Os efeitos são benéficos em geral, inclusive na questão fiscal, porque a diminuição de juros corta também as elevadas despesas na remuneração dos títulos públicos.

Como todo presidente de banco central, Ilan evita compromissos com tendências de política monetária, bem como rejeita relacionar a decisão do Copom de acelerar os cortes na Selic à conjuntura recessiva e de elevado desemprego. Tem sido a perda de pressão da inflação que leva o Copom a relaxar a política monetária —, e tudo pode ser revertido caso este cenário troque de sinal.

O fato é que, devido às características brasileiras, os juros ocupam um espaço no debate econômico maior do que em outros países. Isso porque, salvo curto período sob Dilma em que as taxas foram reduzidas de forma voluntarista e tiveram de subir novamente diante da inexorável elevação da inflação, os juros, desde a redemocratização, têm sido elevados.

Há intenso debate acadêmico sobre o assunto. E de fato é necessário tratar das causas desta tendência patológica brasileira de a economia ter de conviver com um dos referenciais básicos de qualquer sistema produtivo, os juros, fora do esquadro em termos mundiais.

É certo que descontrole nos gastos é parte do diagnóstico, e também um mercado de crédito muito regulado, com grande parcela de financiamentos subsidiados.

E há ainda a questão mais ampla dos próprios incentivos ao crescimento. A redução de juros não é por si só suficiente para fazer a economia voltar a crescer. São necessárias ações específicas com este objetivo. A agenda do crescimento, portanto, vai além da Selic.