Um PSDB combalido pelas eleições de 2018 dá espaço a uma nova geração de tucanos com a missão de manter a relevância eleitoral da sigla e pavimentar o caminho de João Doria, governador de São Paulo, para tentar a Presidência da República em 2022.
Quem comandará a guinada no partido é, se tudo correr dentro do desenhado por Doria, o ex-deputado federal Bruno Araújo (PE), ex-ministro de Michel Temer (MDB), derrotado na eleição para o Senado e que representa a ala dos cabeças-pretas –os tucanos mais jovens.
Candidato único à presidência do PSDB, Araújo deve ser eleito na convenção desta sexta-feira (31) em substituição a Geraldo Alckmin (PSDB), que por sua vez joga no time dos tucanos históricos fundadores da legenda em 1988.
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Os caciques do PSDB, porém, não foram colocados de lado. Ao contrário do que Doria gostaria, a executiva nacional deve continuar ampla, abarcando todos os ex-presidentes do partido. O governador paulista pretendia enxugar o número de cargos.
O discurso de aliados do novo comando do PSDB, que falavam no afastamento de tucanos investigados por suspeita de corrupção, também ficará, por enquanto, só no papel.
Nesta quinta (30), ao definir um código de ética no partido, a direção evitou regras drásticas outrora colocadas à mesa.
Na prática, nomes como os dos ex-governadores Aécio Neves (MG), Beto Richa (PR) e Marconi Perillo (GO) acabaram preservados, evitando uma expulsão iminente, como foi cogitado por parte do tucanato, devido às suspeitas pelas quais respondem.
O entendimento na sigla foi de que qualquer um está sujeito a processos criminais e, por isso, não é possível dar aval a uma caça às bruxas.
Bruno Araújo deve assumir com o mesmo discurso de Doria: de que o PSDB terá posição. Será um partido de centro no espectro político, porém não mais de opiniões em cima do muro.
Ambos desembarcaram da campanha presidencial de Alckmin no ano passado, que naufragou com menos de 5% dos votos, para colar em Jair Bolsonaro (PSL). O movimento foi interpretado como uma virada à direita do partido social-democrata.
Em relação ao presidente da República, agora a ordem é apoiar as medidas que estão de acordo com o programa tucano, como a reforma da Previdência.
O futuro presidente do tucanato, no entanto, também já elogiou o ex-presidente Lula (PT), que tem apelo eleitoral no seu estado. A carreira de Bruno Araújo é longa: em 1998, aos 26 anos, foi eleito pelo PSDB o deputado estadual mais jovem de Pernambuco.
A partir de 2006, como mostrou a Folha, o tucano elevou em 454% seu patrimônio durante seus três mandatos consecutivos na Câmara Federal. Ele diz que sua renda e variação patrimonial são devidamente compatíveis com as informações prestadas nas declarações de Imposto de Renda
Não houve entre a velha guarda tucana quem se dispusesse a concorrer com Bruno Araújo, ungido por Doria. Ao vencer nas urnas o governo de São Paulo, assumindo posto importante do ponto de vista nacional, o empresário consolidou sua influência no partido.
Passou a dar declarações do que seria o “novo PSDB” e buscou preencher cargos da direção partidária com os chamados cabeças-pretas.
"O novo PSDB não apaga seus 30 anos de história. [...] Mas, a partir de agora, o partido não vai viver de história, vai fazer diferente”, discursou Doria em evento na semana passada.
Na mesma ocasião, na última sexta (24), o governador chegou a subir o tom contra a ala de esquerda do partido (“os que não concordarem peçam para sair”) e contra aqueles envolvidos em corrupção (“nós não vamos condenar ninguém antes, mas peça licença, tenha grandeza, se afaste”).
Doria e seu entorno, ainda que reservadamente, pregavam a saída de filiados investigados em escândalos de corrupção, como Aécio Neves e Beto Richa. A faxina ética, no entanto, só atingiu até agora Eduardo Azeredo (MG), preso pelo mensalão tucano e convencido a pedir a desfiliação.
O último ato de Alckmin à frente da sigla foi justamente criar o inédito código de ética. O documento não prevê punição imediata aos tucanos graúdos, mas abre brecha para que cada caso seja analisado.
As sanções previstas no código para aqueles que são réus, como os ex-governadores, são advertência verbal ou escrita e suspensão do exercício de cargo partidário por um ano.
Já a expulsão de filiados é prevista em casos condenados com sentença transitada em julgado por ato de corrupção ou improbidade administrativa dolosa.
O código foi celebrado entre os tucanos como o mais completo e rigoroso entre os partidos. "É o primeiro código de ética, ou seja, o próprio partido ter instrumentos de autocorreção”, disse Alckmin, destacando o que considerou um ato de vanguarda do PSDB.
No processo de elaboração do texto, chegou-se a considerar um processo sumário contra quem impusesse dano irreparável ao partido, mas a proposta foi derrubada.
Por isso mesmo é que Doria passou a defender que cada um se afaste por conta própria, sem que o partido tenha que esperar condenações transitadas em julgado para expulsar filiados enrolados.
A aprovação de regras mais amenas não foi o único revés do governador paulista em sua caminhada para o controle do PSDB. O próprio Alckmin, seu padrinho político, tem sido voz dissonante em discursos, ao pregar o retorno às origens e a defesa da social-democracia —enquanto Doria fala em renovação e liberalismo econômico.
Nesta quinta, véspera da convenção, Alckmin voltou a alfinetar sua criatura. “Hoje os partidos políticos estão enfraquecidos, o que é ruim porque exacerba o personalismo. Precisamos ter menos personalismo, ter conceito de espírito público, de causa pública, de abraço coletivo e não corporativo ou personalista”, disse.
Também não caem bem entre os tucanos históricos o tom radical de Doria na segurança pública e muito menos a postura de pedir a saída de quem discorda de suas visões. A velha guarda, contudo, não conseguiu achar um nome com a energia necessária para desatolar o partido
Doria, ao contrário, tem a força do cargo, o capital eleitoral e a obstinação em trabalhar para alcançar seu objetivo. É hoje a única expectativa possível de vitória dos tucanos em 2022.
Dentro partido, contudo, há quem espere que Doria realmente caminhe para o centro e contemporize seu discurso, já que terá que se descolar de Bolsonaro em algum ponto da corrida pela faixa presidencial.
Além de Araújo, o governador de São Paulo deve emplacar outros aliados na executiva, como o prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando.
A discussão sobre se o novo PSDB mudará de nome ainda está por ser feita, mas a nova direção assume nesta sexta com alguns pontos de partida para reconquistar o eleitorado —um novo estatuto, regras de compliance e transparência, além do código de ética