quarta-feira, 29 de maio de 2019
A conta do desperdício: Brasil tem 14 mil obras públicas paradas que já custaram R$ 10,8 bilhões
Além de investir somente 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em infraestrutura, o governo desperdiça dinheiro público com obras que não são concluídas. Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) revela que mais de um terço das obras públicas bancadas com recursos da União estão paralisadas. Essas obras já consumiram R$ 10,8 bilhões dos cofres públicos, mas ainda não geraram nenhum benefício à população, pois estão inacabadas.
O levantamento foi feito em 38.412 obras financiadas com recursos da União, incluindo escolas, creches, postos de saúde, edifícios administrativos, instalações esportivas, rodovias, ferrovias, portos e usinas, entre outros. Os empreendimentos fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ou são gerenciados pela Caixa, pelo Departamento Nacional de Infraestrutura (Dnit), pelo Ministério da Educação (MEC) ou pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
Das quase 39 mil obras verificadas, 14.403 estão paralisadas ou inacabadas, pouco mais de um terço do total (37%). Essas obras demandam um investimento público de R$ 144 bilhões para serem concluídas, mas isso não aconteceu. A União chegou a aportar R$ 10,8 bilhões (valores não corrigidos pela inflação), mas os empreendimentos não foram entregues por diversos motivos, tendo somente consumido recursos púbicos até aqui. Os dados são de 2018.
“Uma obra não concluída no tempo certo consome os recursos nela aplicados sem gerar retorno para a sociedade. Além de limitar o crescimento econômico do país, por interromper a movimentação da economia local com a restrição de empregos diretos e indiretos gerados”, afirma o ministro Vital do Rêgo, em relatório. “Em alguns casos, a obra não pode ser retomada sem intervenções para recuperar os estragos decorrentes do abandono, e tais medidas envolvem custos adicionais incorporados ao valor total da obra”, completa.
As três principais causas para não conclusão são erros técnicos, problemas orçamentários e financeiros, e abandono da empresa contratada para a execução da obra. Esses três motivos responderam por cerca de 80% das paralisações e 71% em termos de volume de recursos já gastos sem retorno. Em erros técnicos, há desde problemas nos projetos até constatação de superfaturamento.
Como os principais programas estão sendo atingidos
O levantamento do TCU também trouxe alguns exemplos de programas que estão com obras relevantes inacabadas. No caso do PAC, criado em 2007 para ser um dos vetores do crescimento do Brasil, 21% das obras previstas estão paralisadas. Eram obras que esperavam R$ 127 bilhões de investimento ao longo dos anos, o que não foi alcançado.
Outro programa com problemas é o Proinfância, criado em 2007 pelo MEC para construção de creches e pré-escolas no Distrito Federal. Há 303 unidades que deveriam estar prontas ou sendo concluídas, mas que estão paralisadas. Isso significa, segundo o TCU, 75 mil vagas que deveriam ser disponibilizadas à população, mas não foram por falta de conclusão das obras.
“Esse número prejudica o atingimento da meta 1 do Programa Nacional de Educação (PNE), que se refere a ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos até o fim da vigência do PNE, em 2024”, diz o ministro Vital do Rêgo.
Já a Funasa, que atua na área de saneamento básico fazendo repasses a municípios de até 50 mil habitantes, gerencia 2,2 mil obras pelo país, das quais cerca de 18% estão paralisadas.
Exemplos de projetos que estão parados
A auditoria do TCU destacou, ainda, alguns exemplos específicos de obras que estão paralisadas. É o caso da Usina Termonuclear de Angra 3, que já consumiu R$ 6,68 bilhões dos cofres públicos. A construção da usina está paralisada desde 2015.
O Ministério de Minas e Energia (MME) quer retomar as obras de Angra 3. A expectativa do governo é encontrar um parceiro privado para terminar a construção e a usina começar a operar. A previsão é publicar o edital para seleção desse parceiro privado no primeiro semestre de 2020 e realizar o leilão no segundo semestre.
Além de Angra 3, outros projetos paralisados são do Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Comperj), desde 2015 e que já consumiu R$ 12,5 bilhões em investimentos; da ampliação do quebra-mar do Porto de Salvador, abandonado desde 2017 e que já recebeu investimento de R$ 3,2 milhões; e construção de trechos das ferrovias Norte-Sul (FNS) e de Integração Oeste Leste (FIOL), parados, respectivamente, desde 2017 e 2018, tendo recebido aportes de R$ 1,924 bilhão e R$ 1,564 bilhão.
Recomendações
O TCU recomendou aos órgãos públicos responsáveis que façam uma avaliação minuciosa para decidir quais obras devem ser retomadas ou não, a fim de evitar que mais dinheiro público seja desperdiçado.
Também determinou à Secretaria de Infraestrutura Urbana do próprio tribunal que monitore as providências que serão adotadas pelos órgãos públicos e que continue avaliando periodicamente a evolução das obras públicas paralisadas.
Determinou, ainda, ao Ministério da Economia, em conjunto com os demais ministérios, que promova a uniformização do registro de informação de obras públicas para facilitar a fiscalização.
O plenário do tribunal, porém, não acolheu as sugestões para se criar um Cadastro Geral de Obras do Governo Federal e para instituir a semana nacional de fiscalização de obras públicas.
Segundo o tribunal, o objetivo da auditoria foi “conscientizar o governo dos recursos já comprometidos e evitar que o poder público continue iniciando novos empreendimentos, sem capacidade financeira para o avanço desses e conclusão daqueles já em andamento”.
O TCU destacou, ainda, que não foi possível avaliar obras gerenciadas pelo Poder Judiciário e algumas executadas diretamente pelos órgãos executivos, como as conduzidas pelo Exército. Porém, a gama de quase 39 mil projetos analisados representa a maioria e as principais obras do país.
Para classificar uma obra como paralisada ou inacabada, o tribunal considerou aquelas interrompidas há mais de três meses.
Gazeta do Povo