quarta-feira, 29 de maio de 2019

"A importância da lista tríplice", por Fábio George Cruz da Nóbrega

Fábio George Cruz da Nóbrega. Foto: ANPR
Na história do Ministério Público brasileiro, a lista tríplice para a escolha da chefia da instituição passou por um longo caminho de evolução.
No Império, por exemplo, o mecanismo era utilizado, mas sem observar qualquer feição participativa ou democrática, por meio da apresentação, pela Câmara Municipal, ao Poder Executivo, de três nomes de integrantes da sociedade que se dispusessem a exercer a função de promotor público.
Com a República, o procurador-geral da República começou a ser escolhido, inicialmente, pelo presidente da República entre os magistrados que integravam a mais alta corte do país, o Supremo Tribunal Federal.
Somente com a promulgação da Constituição cidadã de 1988, o processo se consolidou com a feição atual, quando os procuradores-gerais passaram a ser escolhidos com ampla participação da classe, a partir da elaboração de uma lista tríplice a ser encaminhada ao chefe do Poder Executivo para a indicação de qualquer um dos três nomes mais votados.
Essa é a previsão normativa válida, atualmente, para 29 dos 30 Ministérios Públicos do país. Nos 26 ministérios públicos estaduais, no Ministério Público do Trabalho, no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e no Ministério Público Militar esse é o mecanismo legalmente estabelecido.
Apenas para o Ministério Público Federal (MPF) a lista não foi expressamente prevista. Apesar disso, em razão da simetria com os demais ramos do Ministério Público, a Associação Nacional dos Procuradores da República-(ANPR) desenvolve, desde 2001, o mesmo processo de consulta à classe.
Nos últimos 16 anos – de 2003 para cá –, a lista vem sendo encaminhada à Presidência da República e continuamente respeitada, com a escolha de um dos três candidatos mais votados. Consolidou-se, assim, como um importante costume constitucional, que propiciou significativos avanços institucionais.
A lista se constitui, inequivocamente, em uma garantia de autonomia e de independência na atuação do MPF, ao propiciar a escolha de alguém com representatividade e liderança na carreira.
Também propicia o acompanhamento e o escrutínio da imprensa e da própria sociedade sobre quem se dispõe a exercer esse que é um dos cargos mais importantes da República, na medida em que a postulação pública dessas candidaturas permite, por meio das campanhas, entrevistas e debates realizados, uma avaliação crítica do preparo, das opiniões e dos seus compromissos.
De 2003 para cá, com o funcionamento do mecanismo da lista tríplice sob condução da ANPR, o MPF alcançou um nível de independência e de eficiência institucional sem precedentes. Não foi por acaso. A lista tem contribuição decisiva nesse processo.
Neste exato momento, o processo de formação da lista tríplice está em curso mais uma vez no âmbito do MPF, contando, agora, com número recorde de candidatos, 10.
Serão realizados seis debates públicos, nas cinco regiões do país, abertos à cobertura da imprensa e à participação da população. É por meio deles que os candidatos podem expor suas propostas e projetos, bem como responder questionamentos, submetendo-se, enfim, à avaliação não apenas da carreira, mas de toda a sociedade.
Apesar disso, temos observado críticas absolutamente descabidas sobre o referido processo. Alguns questionam a existência do próprio mecanismo democrático, olvidando que uma instituição que tem entre as suas missões fundamentais a defesa do regime democrático não pode menosprezar, desprestigiar ou mesmo desconsiderar a importância da democracia interna. A propósito, é sempre bom lembrar esta que é uma das maiores lições da história: democracia não é um regime perfeito, mas ainda não foi possível inventar outro melhor.
Outros dizem que o processo possui objetivos meramente corporativistas. Quem acompanha, de perto, o histórico de realização da lista tríplice no MPF sabe que é uma completa falácia a correlação do procedimento com o atendimento de demandas eminentemente internas pelos procuradores-gerais que acabaram sendo eleitos e nomeados.
Do procurador-geral Cláudio Lemos Fonteles para cá, passando pelos procuradores-gerais Antônio Fernando Barros de Silva e Souza, Roberto Monteiro Gurgel, Rodrigo Janot Monteiro de Barros e Raquel Elias Ferreira Dodge, todos indicados em lista tríplice e com longa folha de serviços prestados ao país, nenhum deles, sem exceção, ostentou no exercício de suas funções esse perfil corporativista.
Para a classe, entretanto, é muito importante ter a oportunidade de participar desse processo, ser ouvida, dar a sua contribuição, enfim, sobre os principais desafios institucionais enfrentados e também sobre como podemos superá-los.
O único fato realmente inquestionável é o de que a lista tríplice contribuiu e muito para o aperfeiçoamento do Ministério Público Federal nos últimos anos, ao conferir caráter público à escolha do(a) PGR, em processo que serve, a um só tempo, ao fortalecimento da democracia interna e da transparência externa, possibilitando que tudo seja desenvolvido sob a luz solar, e não apenas a partir de conversas reservadas realizadas em gabinetes fechados da capital federal.
O Brasil enfrenta, atualmente, problemas da maior gravidade. Em muitos deles — como a luta contra a corrupção, o déficit de segurança pública e de justiça, a defesa dos direitos fundamentais etc —, temos um papel relevante a cumprir, em parceria com os poderes públicos e a sociedade civil organizada.
Por meio do processo de formação da lista tríplice, 1,2 mil membros do Ministério Público Federal estão mobilizados, desde já, para apresentar, ao presidente da República, ao Senado e ao país, os nossos melhores quadros, capazes de liderar e inspirar a instituição na busca por oferecermos a nossa importante contribuição para a solução dos graves problemas que nos afligem.
*Fábio George Cruz da Nóbrega, Procurador Regional da República,
Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República

O Estado de São Paulo