Estados que hoje ultrapassam o limite de gastos com pessoal poderiam economizar até R$ 38,8 bilhões com a redução da jornada de trabalho dos servidores à metade e o consequente corte de salários na mesma medida, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) dê sinal verde para o uso desse instrumento de ajuste.
Suspenso desde 2002, após ser questionado por partidos e associações de servidores, esse dispositivo terá a validade julgada pela Corte no dia 6 de junho.
O cálculo foi feito pelo Tesouro Nacional e consta de documento apresentado pela Advocacia-Geral da União (AGU) a ministros do STF. No memorial, obtido pelo Estado, o governo federal estima uma economia de até R$ 80,4 bilhões caso o instrumento fosse empregado por todos os Estados. Essa situação, no entanto, é considerada uma hipótese, já que nem todos os governos estaduais gastam acima dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – condição para poder recorrer à redução de jornada.
Os dados foram estimados com base na Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2017 e já descontam Imposto de Renda e contribuição previdenciária. Em valores atuais, a economia pode até ser maior.
Pela metodologia do Tesouro, 14 Estados ultrapassaram em 2017 o limite de gasto com pessoal fixado pela LRF, que é de 60% da Receita Corrente Líquida. Os casos mais graves são de Minas Gerais (79,2%), Mato Grosso do Sul (76,8%), Rio Grande do Norte (72,1%), Rio de Janeiro (70,8%) e Rio Grande do Sul (69,1%). Nem todos admitem estourar a regra e muitos maquiam os valores com aval dos Tribunais de Contas dos Estados.
Com o agravamento da crise financeira, alguns governadores não têm mais espaço em seus orçamentos para cortar gastos e defendem a legalidade da redução de jornada e salários. A AGU argumenta que essa seria uma medida menos radical do que outros instrumentos previstos na Constituição em caso de endividamento excessivo, como a demissão de servidores com estabilidade.
A secretária-geral de Contencioso da AGU, Izabel Vinchon de Andrade, observa que muitos Estados já parcelam salários diante da pouca flexibilidade para cortar gastos. “Na prática, o servidor já se vê privado da sua remuneração. A redução (de jornada e salários) talvez fosse mais justa, porque o servidor trabalharia e seria remunerado pelas horas que o Estado tem condições de pagar. Isso é o que nós defendemos”, afirma.
Izabel pondera que, caso tenha a legalidade afirmada pelo STF, a redução de jornada será um dos últimos instrumentos a que os Estados poderão recorrer em caso de dificuldades. Eles continuarão tendo o compromisso de adotar outras medidas de contenção de gastos antes, como o corte de cargos comissionados.
Tema complexo
A expectativa é de que o julgamento se estenda por mais de uma sessão do STF, uma vez que vários dispositivos da LRF serão analisados. O tema é considerado complexo e delicado. Segundo apurou o Estado, o relator das ações, ministro Alexandre de Moraes, deve fatiar sua análise para discutir três questões: contestações que, em sua visão, não têm respaldo técnico; artigos que ele considera válidos; e itens que são inconstitucionais, em sua avaliação.
A redução da jornada só valeria para o Poder que infringir o limite individual da LRF – ou seja, se só o Executivo estourar o porcentual, não haveria impacto no Legislativo ou no Judiciário.
O Comitê de Secretários de Fazenda dos Estados informou que a maior parte dos secretários defende a aprovação do uso da redução da jornada para ajudar no reequilíbrio das contas.
Relembre
O STF suspendeu em 2002 trechos da LRF que davam a governadores e prefeitos instrumentos para lidar com situações de penúria nas finanças, entre eles o que permitia redução de salário e de jornada de trabalho de servidores. Dezessete anos depois e com uma composição de ministros quase que totalmente diferente, a Corte analisará o mérito de oito ações.
Muitos Estados têm um rombo tão grande que somente medidas estruturais, como a redução de jornada, poderiam ajudar resolver a situação. No caso de Minas, a economia potencial de R$ 6,9 bilhões calculada pelo Tesouro, no cenário de corte de 50% nos salários e nas horas de trabalho, representa quase metade do rombo de R$ 15,2 bilhões projetado para 2019.
O Rio Grande do Sul, que deve registrar déficit perto de R$ 7 bilhões neste ano, também é favorável à plena eficácia da LRF e à maior flexibilidade na gestão do orçamento.
Rafael Moraes Moura e Idiana Tomazelli, O Estado de S.Paulo