Muito alertas foram ignorados para
que a União e os estados chegassem
à atual crise das contas públicas
Em tempos de crise das contas públicas, as reminiscências são inevitáveis.
Em 2003, o governo fez um ajuste fiscal para resgatar a solidez das suas contas. Surpreendentemente, um ano depois, a despesa voltou a aumentar apesar do controle dos gastos discricionários.
Então secretário de política econômica, lembro-me de discutir com Samuel Pessôa, na época assessor de Tasso Jereissati, as razões daquele aumento inesperado.
Nos dois anos seguintes, técnicos do Ministério da Fazenda e do Ipea, com o apoio de Samuel e de Mansueto Almeida, dedicaram-se a diagnosticar as causas do descontrole.
O fim da história é conhecido. O problema, como há anos apontam Fabio Giambiagi e Paulo Tafner, decorria das regras da Previdência, que permitem aposentadorias precoces, e das muitas vinculações de despesa impostas pela legislação.
A equipe econômica propôs medidas para limitar o crescimento do gasto público, mas a sugestão foi declarada rudimentar pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Houve mais. O governo defendeu a indexação do salário mínimo ao crescimento do PIB, apesar dos alertas de que isso levaria à quebra dos governos estaduais e municipais. Há folga, diziam lideranças petistas.
Anos depois, o governo federal concedeu aval para novas dívidas dos estados. Foram de pouca valia os avisos de que o resultado seria uma imensa crise fiscal.
Como se não bastasse, foram concedidos incentivos para o setor privado e reajustes reais para os servidores. O impacto fiscal foi disfarçado em muitos estados pela contabilidade criativa adotada com a conivência dos Tribunais de Contas.
Pois bem, não havia folga. A irresponsabilidade resultou em salários atrasados e degradação dos serviços públicos.
Na contramão dos vendedores de ilusão, Paulo Hartung foi eleito em 2014 destacando a necessidade de ajuste fiscal para garantir a solvência do estado e preservar a política pública. Os salários estão em dia e o Espírito Santo surpreende pela liderança nos indicadores de educação.
Apesar dos seguidos avisos de que caminhávamos para o colapso, muitos da elite do país, intelectuais e lideranças do setor privado não defenderam a necessidade de ajustes. Agora, se dizem surpresos com o tamanho do problema. Não deveriam. Por superficialidade, ou por demagogia, são cúmplices do desastre.
Temos chance de enfrentar os problemas. Parece, porém, que alguns governadores nada aprenderam e pedem contrapartidas para apoiar a reforma da Previdência, em meio a retrocessos, como subsídios e medidas de proteção setorial.
Após a última entrevista do presidente fica a dúvida: vamos de novo ignorar os alertas?
Folha de São Paulo