Sob a ameaça de perder privilégios, os servidores ativos e inativos, já começaram ou a se organizar para tentar “melar” a reforma da Previdência, com o apoio das principais centrais sindicais, que têm forte presença junto ao funcionalismo.
Ironicamente, os mais privilegiados são os que gritam mais contra a reforma e os mesmos que fazem “lobby” em defesa dos supersalários e dos penduricalhos do Judiciário e do Ministério Público, usados para burlar o teto constitucional, de R$ 39,3 mil, equivalente aos ganhos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). São aqueles que o ex-presidente Fernando Collor costumava chamar de “marajás” – um termo adotado também pelo presidente Jair Bolsonaro para designá-los.
Contra todas as evidências e sem muita preocupação com a aritmética, eles dizem que “não há déficit na Previdência”, que “a reforma é desumana”, que é “um retrocesso” e que “os pobres vão morrer antes de se aposentar”.
Falam também que “com a cobrança de dívidas das empresas com a Previdência seria possível cobrir o déficit”. Eles “esquecem”, porém, de que, dos cerca de R$ 500 bilhões de pendências, “só” R$ 160 bilhões são considerados recuperáveis. Ainda que esse dinheiro entrasse no caixa de uma só vez, o que não acontecerá devido ao refinanciamento de parte da dívida por 15 anos em gestões anteriores, não daria nem para cobrir o rombo do sistema em 2019, estimado em R$ 308 bilhões. E depois disso, o que se faria? De onde viriam os recursos para cobrir o restante do buraco neste ano e nos próximos? Eles não têm as respostas.
O pessoal também não leva em conta que o cálculo da expectativa de vida de menos de 60 anos nas regiões mais pobres do País e de menos de 70 anos em alguns Estados, contra a média nacional de 75,8 anos, é feito no momento do nascimento. Só que, segundo números oficiais, os homens que chegam aos 55 anos (idade média das aposentadorias no País) terão uma sobrevida de 24 anos, vivendo até os 79 anos. Já as mulheres, que se aposentam em média aos 52 anos, terão uma sobrevida média de 30 anos, vivendo até os 82.
Corporações. “A expectativa de vida ao nascer é muito afetada pela mortalidade infantil, que é mais grave nas regiões mais pobres”, afirma o economista Pedro Nery, consultor legislativo do Senado. “Mas a expectativa de sobrevida em idades mais elevadas não é perfeitamente correlacionada com a renda. No Brasil, municípios com as mais baixas expectativas de vida ao nascer possuem uma proporção de idosos acima de 65 anos até maior que a média nacional.”
No governo Temer, a reação ao corte de privilégios levou a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, a pedir ao STF a suspensão da campanha de esclarecimento sobre a reforma proposta na época para a Previdência, alegando sua suposta “inconstitucionalidade” – e ela conseguiu seu objetivo, sem dificuldades. “As corporações que têm privilégios tomaram conta do País”, afirma economista Ana Carla Abrão, ex-secretária da Fazenda de Goiás e sócia da consultoria Oliver Wyman.
É certo que não se resolverá o problema da Previdência atacando apenas as benesses dos servidores. Embora o déficit per capita do sistema do funcionalismo seja bem maior que o dos trabalhadores da iniciativa privada, em termos absolutos o rombo deixado pelos aposentados e pensionistas do INSS, de R$ 197,8 bilhões em 2018, é mais que o dobro que o dos servidores, de R$ 90,5 bilhões, de acordo com dados da Secretaria do Tesouro Nacional. “Há a questão ética dos benefícios altos, mas o problema fiscal exige um ajuste além dos privilégios”, diz Nery.
O sistema privado também tem seus favorecidos, ainda que os benefícios deles sejam muito menores que os dos ‘marajás’ do setor público. Apenas um pequeno grupo, que está no topo da pirâmide sócio-econômica, por exemplo, consegue se aposentar por tempo de contribuição. A grande maioria só se aposenta por idade, porque não acumula vínculos formais de emprego pelo tempo necessário. Mesmo assim, a cota de “sacrifício” dos privilegiados do serviço público é essencial para mostrar que a reforma da Previdência não é uma tungada no bolso dos mais pobres, como seus adversários pregam por aí.
José Fucs, O Estado de S. Paulo