A paralisação dos caminhoneiros não é um fato isolado que sacode um ambiente de normalidade institucional. É, ao contrário, a gota d’água que faz transbordar um copo já há muito cheio.
Não apenas a política de preços de combustíveis – que, desde junho passado, já produziu 121 reajustes no custo do diesel – vai mal. Tudo no país vai mal: educação, saúde e, sobretudo, segurança.
Esse desconcerto geral, em meio a um quadro social que contabiliza mais de 14 milhões de desempregados e mais de 61 mil homicídios anuais, convive há quatro anos com o noticiário da Lava Jato, que tem levado elite e baixo clero da política ao banco dos réus.
A decomposição do establishment institucional inclui o presidente da república, seus principais ministros e a cúpula do Judiciário. Há dias, o STF concedeu habeas corpus e repôs em circulação onze criminosos do narcotráfico, ligados à cúpula do PCC.
Daí a solidariedade imediata da sociedade aos caminhoneiros, ela própria atingida pelas consequências do movimento, com crise de abastecimento e de mobilidade urbana, que propiciou ao país sentir, por alguns dias, o que os venezuelanos vêm sentindo há alguns anos.
O (justo) motivo da paralisação – a insuportável política de ajuste de preços dos combustíveis – deu margem ao contágio político, pondo em cena toda uma agenda, que inclui pedidos de renúncia do presidente da república e de intervenção militar.
A quem interessam essas pautas, que podem sintonizar com a fragilidade emocional da população? Aos dois extremos do espectro político – esquerda e direita. O PT tem dito que, sem Lula, eleição é fraude. Como Lula não será candidato (mesmo solto, há a Lei da Ficha Limpa), o partido investe no quanto pior melhor.
Não tem candidato e não quer eleição.
Na hipótese de uma intervenção militar, os políticos presos da esquerda poderiam reivindicar, com maior fundamentação, o rótulo de presos políticos. Teriam de volta uma narrativa vitimista em que são especialistas. Já à direita, teme-se fraude eleitoral pela não obediência do TSE à lei do voto impresso, aprovada há três anos.
De fato, é inconcebível que a Justiça, incumbida de aplicar a lei, a desafie. Na quarta-feira, 23, o senador Edson Lobão (MDB-MA) recusou-se a pautar, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a votação do decreto legislativo do senador Lasier Martins, que obriga o cumprimento pelo TSE da lei do voto impresso.
Com isso, forneceu combustível à parcela da direita que não crê na honestidade das eleições, nem mesmo com voto impresso. Ainda que Bolsonaro seja eleito, sustenta que não terá meios de faxinar o país, aparelhado pela esquerda. Não terá governabilidade.
Defende, nesses termos, a intervenção militar como única saída para consertar o país e regenerar as instituições. Os dois extremos acabam coincidindo, por razões distintas e objetivos diversos, num ponto: a necessidade de uma ruptura institucional.
Faltou apenas combinar com os militares. Eles, embora não confiem nas urnas eleitorais e constatem o ambiente de devastação política, não querem intervir. Sabem o custo político que isso terá.
Preferem, apesar de todos os pesares, apostar nas eleições, apoiando Bolsonaro e os mais de 70 militares da reserva que se candidatarão em outubro, ao Congresso e a governos estaduais.
O general Hamilton Mourão, ícone dos intervencionistas, mas ele próprio ainda avesso à intervenção, informa que os técnicos do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército estão avaliando as urnas eletrônicas. E avisa: “Se eles derem sinal verde, tudo bem. Se não, vamos criar caso”. Não explicou como isso será.
Ruy Fabiano é jornalista