Mindaugas Kulbis/Associated Press | |
Na cidade de Vilnius, na Lituânia, grafite de rua zomba da relação entre Trump e Putin
Não são raras, ou tampouco despropositadas, as comparações que se fazem entre conjunturas que precederam grandes catástrofes e o presente cenário internacional.
Para uns, está emergindo uma redistribuição do poder pelo mundo semelhante àquela do século 19. Por esse ângulo, os EUA não são mais hegemônicos — e portanto a ordem internacional que agora se delineia aparenta-se à "balança de poder". Nela, alianças de ocasião, sem necessariamente o substrato de passado comum ou coincidência ideológica, são não apenas possíveis, mas comuns.
Aqui, o "interesse nacional" prevalece sobre a esfera dos valores. Nesse quadro, não é inimaginável a empatia Trump-Putin transladar-se para outras dimensões, como uma maior cooperação econômica e tecnológica e mesmo ações coordenadas no combate ao que ambos percebem como ameaças terroristas.
Ainda nessa lógica, a Washington de Trump convida a mais sinergias com a Moscou de Putin do que a Bruxelas dos eurocratas. Este é claramente caso em que o "soft power" miniaturiza-se ante os tradicionais atributos de poder — sobretudo em termos de capacidade de dissuasão. Não estranha portanto Trump aludir a uma eventual "corrida armamentista".
Para outros, o que aflora na atual conjuntura é mais do que simplesmente um embate cooperação/conflito parametrizado por expressões de "interesse nacional". Trata-se, sim, do perigoso renascimento dos nacionalismos, ameaçadores como nos anos 20 e 30 do século passado.
Tal sentimento elegeu Trump. Ejetou o Reino Unido da União Europeia. Fez-se sentir em pleitos recentes na Itália e na Áustria. Está forte como há muito não se via na França e na Alemanha. Reanima a Rússia de Putin e a posiciona novamente com assento à mesa dos "grandes". E, claro, é visível no projeto de Xi Jiping — o "Sonho Chinês" — que conclama à "revitalização nacional".
Acrescente-se a esse quadro a escalada do protecionismo, a expansão de políticas industriais embebidas no "conteúdo nacional" e os termos declinantes de comércio internacional ora em movimento e destaca-se uma palavra: desglobalização.
As métricas que temos à disposição para aferir o quanto o mundo está se desglobalizando são claras. Há uma menor predisposição para acordos de comércio e investimento pluri ou multilaterais. Tratados como o TTP e o TTIP hoje tendem a fazer companhia à malfadada Rodada de Doha da OMC.
Noções como economia de mercado, livre comércio e democracia estão longe de gozar do mesmo nível de unanimidade como parecia ser o caso logo da desintegração da União Soviética. E, não há dúvida, não é mais possível trabalhar com a hipótese do "building blocks" (blocos-em construção), tão em voga nos anos 1990, segundo a qual arquiteturas como EU, Nafta ou Mercosul, nada mais seriam do que etapas na construção de espaços e normas tendentes à mais globalização.
Há uma outra característica particularmente interessante na atual dinâmica desglobalizante. EUA e Europa (o Ocidente) adotaram uma postura externa no pós-Segunda Guerra Mundial em que conceitualmente predispunham-se a "perder pontos" em algumas frentes econômicas de modo a vencer batalhas no tabuleiro maior da geopolítica.
Isso explicaria tanto a "expansão horizontal" da EU — com a incorporação a seu quadro associativo de países como Polônia, Hungria e outros integrantes da antiga Cortina-de-Ferro — como os muitos benefícios pontuais que os EUA concederam à China desde fins dos anos 1970 — quando a aproximação com Pequim significava desferir golpe no quadro de alinhamentos à Moscou comunista.
Assim, para o Ocidente, a presente tendência desglobalizante revela desinteresse pela geopolítica. Uma marcada prevalência do que é espacialmente "próximo" e cronologicamente "imediato" sobre o que é a um tempo "global" e "pertencente ao longo prazo". No entanto, a chave para respondermos até onde vai a desglobalização vem de duas equações.
A primeira: a ascensão de potências como China e Índia levará a novas oportunidades de fornecimento para países exportadores de commodities agrícolas e minerais e a uma nova onda de globalização industrializadora para aqueles países que produzirem melhor relação-custo benefício ante uma China que se torna mais cara e sofisticada.
A segunda: no curso dos próximos quatro anos, quão exitosos (ou traumáticos) serão os experimentos "brexit" e "trumponomics". Aqui, minha intuição (e torcida) é de que ambos malograrão. Entendo que esse será o resultado inevitável de britânicos ensimesmados e de uma América "nacional-desenvolvimentista".
Não a comunhão de valores, mas impactos em grande escala de China como superpotência, Índia em ascensão e Ocidente superando este interlúdio isolacionista serão os eventuais fios condutores a mais globalização.
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