Pelo menos três prefeitos eleitos em outubro terão bons motivos para se lembrar do ano que se encerra. Assumirão seus cargos no início de 2017 somente por força de uma infeliz característica do Poder Judiciário que se acentuou sobremaneira em 2016: o desrespeito ao caráter coletivo dos tribunais.
Com uma decisão individual, o ministro Gilmar Mendes, integrante do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, garantiu que os candidatos vencedores nas cidades de Ipatinga (MG), Timóteo (MG) e Tianguá (CE) tomem posse normalmente, a despeito de terem sido considerados inelegíveis pelo próprio TSE.
Condenados em 2008, antes da vigência da Lei da Ficha Limpa, que é de 2010, Sebastião de Barros Quintão (PMDB, Ipatinga), Geraldo Hilário Torres (PP, Timóteo) e Luiz Menezes de Lima (PSD, Tianguá) argumentaram que deveriam ficar inelegíveis por apenas três anos, pois essa era a punição à época das condenações.
A maioria dos ministros do TSE discordou dessa tese. De forma reiterada, a corte tem entendido que deve ser aplicado o prazo de oito anos, nos termos da Ficha Limpa.
Verdade que esse juízo não é pacífico. Desde 2013 tramita no STF um recurso em que se pede a aplicação dos prazos da Ficha Limpa só para condenações determinadas depois da vigência dessa lei.
Quatro ministros do Supremo já concordaram com o argumento, mas o processo foi interrompido no final de 2015 por Luiz Fux, que pediu vistas (tempo para examinar o caso) —outro hábito lamentável de membros do STF, que usam essa iniciativa individual além dos limites regimentais a fim de interditar um desfecho do qual discordem.
Enquanto o Supremo não chega a uma conclusão, o TSE mantém o mesmo entendimento adotado nas eleições municipais de 2012. Certa ou errada, essa é a posição majoritária de um plenário formado por sete ministros —e por isso a corte resolveu manter inelegíveis os prefeitos eleitos de Ipatinga, Timóteo e Tianguá.
Gilmar Mendes, entretanto, deu de ombros para a colegialidade. Tendo sido voto vencido no debate com seus colegas, aproveitou o recesso judiciário para revidar.
Ao receber os recursos, suspendeu a decisão do TSE e assegurou a posse dos três políticos, como se sua opinião devesse prevalecer.
O problema não está na individualidade em si. Dado o número enorme de processos nos tribunais, torna-se impossível que todos os casos passem por uma turma ou pelo plenário. Deveria ser óbvio, porém, que não cabe a um ministro tomar sozinho decisão institucionalmente relevante —e muitos menos atropelar a vontade da maioria.