sábado, 31 de dezembro de 2016

Janaina Paschoal: "Um ano a ser sempre lembrado"

Folha de São Paulo


Tenho participado de eventos de fim de ano e, em todos, são reiteradas as manifestações no sentido de que 2016 foi um ano terrível, que precisa ser suplantado. Essa avaliação negativa decorre das dificuldades econômicas e da desesperança que cresce a cada novo escândalo.

Muito embora reconheça que 2016 não foi fácil e já vislumbre um tormentoso 2017, penso que o ano que termina não pode ser esquecido -muito pelo contrário.

Graças à apresentação de pedido de impeachment, mediante processo constitucional, legal e transparente, a presidente da República foi afastada de seu cargo, por força dos crimes de responsabilidade cometidos, todos sobejamente comprovados.

Até a chegada de referido pedido, vigorava um sistema de acomodação, no qual poderosos não apontavam os crimes e abusos de outros poderosos, com o fim de não ver os seus próprios desvios desnudados.

O processo de impeachment de Dilma Rousseff abriu portas para o afastamento e cassação de Eduardo Cunha, acelerando o andamento da persecução penal.

Além de quebrar o círculo vicioso e o verdadeiro compadrio que existia, o processo de impeachment permitiu a conscientização acerca da importância da responsabilidade fiscal. Não foi por coincidência que, em outras esferas de poder, os órgãos de controle passaram a funcionar com maior severidade -basta olhar o número de procedimentos e até de prisões a alcançar governadores, ex-governadores, prefeitos e ex-prefeitos.

O descortinar dos ajustes estabelecidos entre governo e empreiteiras, inclusive com remessa de bilhões de dólares ao exterior, salvo entre os crentes do petismo, deitou por terra a falácia de que Lula e Dilma seriam perseguidos políticos. Se antes eram vistos como pais dos pobres, ficou claro terem sido mães para os ricos.

As colaborações premiadas que vão se tornando públicas mostram que, por muito tempo, alguns empresários mandavam mais do que os próprios presidentes da República, sendo significativo o fato de esses empresários estarem agora presos.

O fortalecimento das operações policiais estimulou que parlamentares começassem a levantar eventuais ilicitudes no âmbito do Poder Judiciário e do Ministério Público, conferindo publicidade aos chamados supersalários e à prática comum de ultrapassar o teto constitucional, por meio da concessão de benefícios de forma coletiva e irrestrita.

Apesar de tal movimento ser identificado como retaliação, necessário reconhecer que precisava ser feito.

Nota-se que, ao mesmo tempo em que deixa de aceitar a corrupção institucionalizada, o povo brasileiro passa a questionar benesses incompatíveis com repúblicas muito mais ricas que o Brasil. Em suma, não vamos ficar calados nem diante das ilegalidades nem frente às imoralidades.

Sempre foi muito cômodo aos poderosos fazer menção ao nosso povo como cordato e conciliador, pois o cordial costuma ser submisso.

Diversamente do alardeado, 2016 não foi o ano perdido. O cidadão comum, ainda que assustado com a lama que eclodiu, voltou a acreditar que é possível tomar as rédeas do destino do país.

Parafraseando a escritora Ayn Rand em seu clássico "A Revolta de Atlas", penso que 2016 foi o ano da revolta dos otários, aqueles que trabalham para pagar os tributos, até então, sem direito a opinar.

Um povo maduro enxerga sua realidade, por pior que seja, a fim de transformá-la. Este foi o ano de diagnosticar a difícil realidade; 2017 pode ser o da transformação.

Desejo a todos um ano novo com os pés no chão e os olhos bem abertos! A meta é impedir que volte a imperar o silêncio da cumplicidade. Nos corações, que reine a tranquilidade de que é certo fazer o certo.