sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Ruy Castro: "A pessoa do ano"

Folha de São Paulo


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Paródia com a capa da revista "Time", que neste ano elegeu Donald Trump como a pessoa do anoCrédito: Reprodução
Paródia com a capa da revista "Time", que neste ano elegeu Donald Trump a pessoa do ano


Circula na internet uma adaptação da capa que a revista "Time" sempre publica nesta época, ao escolher "A pessoa do ano". Com tanta gente importante e querida que nos deixou nos últimos 12 meses, a paródia da internet elegeu a Morte —a própria— como "A pessoa do ano" de 2016.

Lá está ela, bela e embuçada, ao lado de um túmulo e empunhando uma foice longa o bastante para levar vários de uma vez. Como a paródia foi feita nos EUA, 99% dos mortos citados são americanos — Fidel Castro é uma exceção — e não há nenhum brasileiro, nem mesmo os 71 mortos do avião da Chapecoense. Mas esqueça o típico provincianismo. O que me pergunto é se, para a Morte, 2016 foi uma colheita assim tão pródiga.

Com todo respeito pelos mortos deste ano, eu diria que, no passado, a Morte já tinha feito por merecer a capa da "Time". Vejamos uma data ao acaso — 1976. Quem ela levou naquele ano?

O líder chinês Mao Tsé-tung, os escritores André Malraux, Agatha Christie, Lezama Lima e Raymond Queneau, os cantores de ópera Paul Robeson e Lily Pons, os cineastas Fritz Lang, Busby Berkeley, Luchino Visconti e Luiz Sergio Person, o filósofo Martin Heidegger, o herói da Segunda Guerra marechal Montgomery, os atores Jean Gabin e Sal Mineo, a socialite Angela Diniz, o locutor esportivo Geraldo José de Almeida, o roteirista maldito Dalton Trumbo, o frasista do futebol Neném Prancha, o malandro Madame Satã, os milionários Howard Hughes e J. Paul Getty, os artistas plásticos Max Ernst, Man Ray, Alexander Calder e Di Cavalcanti, a pioneira do feminismo Bertha Lutz, os ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart, e a estilista Zuzu Angel, o operário Manuel Fiel Filho e o pianista Tenorio Jr., mortos pelas ditaduras do continente.

Em 2016, a "pessoa do ano" da "Time" não é a Morte, mas Donald Trump. Dá na mesma.