quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

"Se você juntar as lembranças boas, vai ver que 2016 não foi tão ruim assim", por Zeca Camargo

Folha de São Paulo


Valentina Fraiz

Mais um dia 31, mais um cartão de embarque na mão. Sim, vou viajar de novo na noite do Réveillon e me lembrei que nesta mesma época, no final do ano passado, fiz aqui mesmo um pequeno manifesto contra a obrigação de que a noite do 31 de dezembro seja a melhor de todas que vivemos no ano que se fecha –numa esperança atávica, e tola talvez, que nos faz acreditar que os próximos 365 dias serão melhores.

Revisitando 2016, da morte de David Bowie às eleições presidenciais dos Estados Unidos (para ficar apenas em dois itens lamentáveis dos últimos 12 meses), tente se lembrar de como você estava cheio de otimismo naquela noite. Como, embalado quem sabe por uma leve intoxicação, você de fato pensava positivo: as coisas iriam melhorar. Mas aqui estamos nós, um punhado de horas antes deste ano acabar e... o balanço não parece bom.

Daqui a pouco, você vai estar numa outra festa, ou numa releitura dos Réveillons passados, e vamos nos esforçar para ter novamente aquele otimismo. Olhando o mar –e nós aqui no Brasil adoramos estar diante dele nessa noite de renovação– ou encarando outros horizontes, montanhas, selvas, prédios, piscinas, amores. 

Muitas vezes até outras temperaturas, como é o caso de quem escolhe trocar nosso verão pelos termômetros do hemisfério norte.

Fazemos aquela revisão do ano e a gente se lembra da crise na qual nosso país mergulhou, dos conflitos cada vez mais absurdos pelo mundo, dos muros que ameaçam comprometer nossa mobilidade de viajante, das tragédias que nos levaram pessoas queridas. É possível melhorar?

Mas aí você olha de novo para aquela onda quebrando, pra tal bola iluminada descendo na Times Square, para os meninos brincando na praça da pequena cidade onde está, para os fogos de artifício que consegue ver à distância, para um barquinho passando em frente ao riacho preguiçoso e se lembra que 2016 foi o ano em que a sua irmã se casou.

E mais: foi de janeiro até agora que o projeto que você apostou em 2015 (e que parecia não dar certo) virou o jogo e é um sucesso; foi nesse mesmo período que você finalmente escreveu o livro que desejava; que você fez as pazes com quem ama; que você viajou para mais quatro países que não conhecia; que seu artista favorito lançou um disco sensacional; que se despediu com carinho de um bicho de estimação companheiro de 17 anos; que não ficou gripado nenhuma vez; que você conseguiu comprar um quadro de um artista que sempre sonhou ter; que criou coragem e se vestiu de Papai Noel para levar alegria para as crianças de uma creche.

E aí olha para a paisagem que está na sua frente (natureza, cidade, gente) e chega à conclusão inevitável: até que 2016 não foi um ano tão ruim assim.

E aí percebe que escolheu o lugar certo para essa "noite da virada", que é esse canto do mundo que vai nos ajudar a trazer e espalhar felicidade em 2017. E aí então você pega só essas lembranças boas e segue para o ano que está chegando com elas.

Isso tudo que escrevi aconteceu comigo –de ver minha irmã no altar à aventura de Papai Noel. E é esse "filminho" que eu sei que vai passar na minha cabeça neste sábado. Mesmo que eu tenha diante de mim apenas aquela apertada janela no avião. Que nesse exato momento torna-se a tela mais linda do mundo.