sábado, 1 de novembro de 2014

"Reforma para valer", editorial Folha de São Paulo

Durou dois dias a disposição da presidente Dilma Rousseff (PT) para encetar uma reforma política por meio de plebiscito.

O trâmite escolhido para a medida foi criticado pelos presidentes da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Ambos defenderam um referendo, e Dilma entendeu o recado.

Em qualquer hipótese, a polêmica é vazia. Nada indica que os políticos estejam de fato interessados em alterar de forma radical as regras de que eles próprios se beneficiam. Mecanismos de consulta popular fortalecem a democracia, mas, nesse caso, o debate sobre o tema surge como obstáculo a mais no caminho das melhorias.

Mudanças pontuais, por outro lado, não perderiam em legitimidade se conduzidas dentro do Congresso. Essa via incremental tem, aliás, a vantagem de preservar os grandes marcos legais, garantindo certa previsibilidade à disputa.

A experiência internacional mostra que modificações nas regras muitas vezes trazem resultados contraproducentes. A prática brasileira ensina o mesmo: a imposição da fidelidade partidária teve como efeito colateral a proliferação de legendas criadas com o propósito de abrigar desertores.

Especialistas no assunto, argumentando que os malefícios potenciais estão diretamente relacionados à amplitude da reforma, recomendam intervenções específicas, voltadas a uma distorção por vez.

Existe razoável consenso em torno da necessidade de corrigir problemas no pleito legislativo. As atuais regras do sistema proporcional, além de confundir o eleitor, fomentam alianças interesseiras e alimentam siglas que representam apenas seus dirigentes.

Duas ações deveriam ser adotadas em relação a isso. Primeiro, impedir coligações na disputa proporcional. Hoje, o voto dado ao candidato a deputado ou vereador de um partido pode ajudar a eleger alguém de outra legenda.

Depois, instituir uma cláusula de desempenho, de modo que agremiações com parcos votos pelo país teriam direito a pouquíssimo tempo para fazer propaganda na TV e acesso limitadíssimo a recursos do Fundo Partidário, por exemplo.

Presume-se que siglas de aluguel tenderiam a se recolher a sua insignificância, pois não seriam assediadas por partidos competitivos sequiosos por exposição no horário eleitoral –com o que se restringem acordos tipo "toma lá dá cá".

Haveria mais a fazer, sem dúvida. Esta Folha há muito defende o voto distrital misto, pelo qual o eleitor aponta um candidato que concorre por uma determinada área e, com um segundo sufrágio, escolhe um partido. A disputa seria menos custosa para o postulante e mais compreensível para o eleitor, que saberia em quem votou.

Em termos ideais, também deveria ser corrigida a distorção entre as bancadas estaduais na Câmara dos Deputados (para ser correta, a representação dos Estados mais populosos teria de ser maior) e adotado o voto facultativo.

De nada adianta, porém, pretender implementar todas as medidas de uma só vez. Tentar mudar tudo talvez seja o melhor meio de assegurar que nada mude –e os políticos sabem disso muito bem.