sábado, 1 de novembro de 2014

"A verdade pós-eleitoral nas contas públicas", editoria de O Globo

O desequilíbrio fiscal recorde, verificado entre maio e setembro, é obra feita com afinco por quem acreditou que reduzir o superávit primário aceleraria o PIB


A Secretaria do Tesouro desmente, mas é inevitável incluir as informações sobre as contas públicas no mês de setembro divulgadas ontem entre aquelas que o governo preferiu liberar apenas depois do fim da eleição. Afinal, só prejudicaria a reeleição da presidente Dilma saber-se que, pelo quinto mês consecutivo, o governo central (Tesouro Nacional, Previdência e Banco Central) acumulou déficit primário, ou seja, sem incluir o pagamento dos juros da dívida interna.

Os R$ 20,4 bilhões do resultado no “vermelho” obtido apenas em setembro é o pior saldo mensal alcançado na história, desde 1997, quando a série dessa estatística começou a ser calculada. Ultrapassaram os R$ 19,9 bilhões de dezembro de 2008, acumulados sob o impacto da explosão da bolha financeiro-imobiliária americana, com a falência do Lehman Brothers, em setembro daquele ano.

No período de maio a setembro deste ano, o déficit acumulado foi de R$ 15,7 bilhões, também um recorde negativo histórico. Com isso, soterra-se de vez, com reconhecimento do próprio governo, a possibilidade de atingir-se a meta de um superávit primário de 1,9% do PIB. Talvez até não haja qualquer superávit, necessário para que se pague a conta de juros da dívida sem a necessidade de emissão de títulos públicos — pagar-se dívida com mais dívida, clássico mecanismo da bola de neve. Daí o endividamento público brasileiro ser já de 60% do PIB, o maior entre as economias emergentes.

Nada é surpreendente nesses números. O desequilíbrio fiscal é obra edificada com afinco, a partir do final do primeiro governo Lula e com grande destreza na gestão Dilma, quando se relaxou no manejo dos gastos públicos, na vã intenção de acelerar o PIB pela via já esgotada do consumo. Colheu-se mais inflação, o consumo não se expandiu, pois a capacidade de endividamento das famílias estava prestes a se esgotar, e os investimentos privados, como previsto, se retraíram.

Desacelerada, quase no limiar da estagnação, a economia passou a gerar uma receita tributária menor — não bastassem os gastos já virem crescendo mais que a coleta de impostos. E assim, nem mesmo o uso intenso de receitas temporárias — dividendos de estatais, Refis — e até “pedaladas” em transferências do Tesouro para a Caixa Econômica (Bolsa Família) e Banco do Brasil (subsídio do crédito agrícola) resolveram o problema. E não resolveriam mesmo, apenas maquiariam a crise fiscal.

Na hipótese otimista, o governo aproveitaria este final de primeiro mandato para limpar as estatísticas das contas nacionais, com a retirada de “esqueletos” do armário — talvez não todos —, a fim de a presidente iniciar do zero, ou quase isso, a segunda administração. E assumindo para valer o compromisso de um superávit primário que reverta a insegurança com o futuro da economia. Cresce, portanto, a importância a escolha dos nomes para a equipe econômica.