terça-feira, 1 de abril de 2014

‘Manuel Valls é um Tony Blair francês’, diz analista

Para Bruno Cautrès, Hollande não tinha opção a não ser nomear ministro para comandar o governo

 

Fernando Eichenberg - O Globo
 

Manuel Valls durante discurso no Palácio Eliseu, quando ainda era ministro do Interior
Foto: Michel Euler / AP
Manuel Valls durante discurso no Palácio Eliseu, quando ainda era ministro do Interior Michel Euler / AP

PARIS — A tsunami eleitoral sofrida pelo Partido Socialista (PS) no pleito municipal francês não tardou a guilhotinar cabeças no governo. O primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault pagou o preço pela derrota histórica imposta pelos eleitores, com a perda de mais de 150 prefeituras socialistas. Para o seu lugar, o presidente François Hollande nomeou seu ministro do Interior, Manuel Valls, hoje o nome mais popular do governo.

Pressionado pelo resultado das urnas, um índice recorde de impopularidade e um crescente desemprego no país, Hollande se viu obrigado a anunciar aos franceses a troca de comando num pronunciamento televisivo em horário nobre, às 20h, um procedimento raro para esses casos. Para Bruno Cautrès, analista do Instituto de Estudos Políticos de Paris, Hollande não tinha opção a não ser nomear ministro para comandar o governo.
Por que Manuel Valls?
Foi o único ministro do governo que se tornou realmente popular. No governo de Jean-Marc Ayrault houve ministros que ganharam visibilidade, como Arnaud Montebourg (da Indústria), mas nenhum conhecido da opinião pública e que tenha a imagem de alguém sério como Valls. E era preciso alguém compatível com a orientação do “Pacto de Responsabilidade”, a redução do deficit público, a política de competitividade. E ele sempre encarnou a ala mais à direita do PS, um tipo de “socialismo realista”. Muitos o definem como uma espécie de Tony Blair francês. Hollande não tinha outra escolha a não ser nomeá-lo.

O que poderá mudar em seu mandato de primeiro-ministro?
Será uma mudança de personalidade e também de estilo. No governo de Jean-Marc Ayrault havia permanentes ruídos de comunicação, contradições entre ministros, anúncios e desmentidos. Os ministros causavam curto-circuitos entre o primeiro-ministro e o presidente. Isso certamente vai mudar com Valls. Creio que haverá menos ministros, e acredito também que se verá um retorno de pesos pesados da política do PS, pessoas com mais experiência, que conhecem as dificuldades de ser ministro, como Ségolène Royal ou Bertrand Delanoë. Pelo menos um ou dois nomes importantes do PS deverão entrar no novo governo.

Quais as consequências do resultado das eleições para o governo Hollande?
Haverá um antes e depois das eleições municipais. Antes, havia essa ideia de que Hollande conseguiria levar a melhor, mas desde domingo ele foi colocado contra o muro. Foi um desastre. E a abstenção dos eleitores de esquerda foi muito alta, muitos manifestaram sua desilusão não votando. Isso vai obrigar Hollande a esclarecer a direção de seu mandato, que até o momento não está bem clara.

Qual sua análise do balanço do governo de Jean-Marc Ayrault?
Jean-Marc Ayrault fez avanços em questões sociais, como a aprovação do casamento homossexual, mas fracassou em questões importantes. A principal delas, sem dúvida, é o desemprego. Ele não conseguiu inverter a curva ascendente do desempregos, uma promessa de Hollande durante a campanha. E também não conseguiu controlar o deficit público. Agora mesmo foi anunciado um deficit público de 4,3% do PIB, contra os 4,1% esperados, e ainda distante da meta estabelecida pela União Europeia. Há também um fracasso na questão do meio ambiente, principalmente na prometida transição energética.

Os ecologistas já anunciaram que não participarão do novo governo. Isso poderá trazer algum problema?
Em um primeiro momento de composição do novo governo deverá haver alguma compensação para a esquerda e os ecologistas. Isso é possível taticamente. Mas não resolve o problema principal. Os ecologistas já avisaram que não votarão o “Pacto de Responsabilidade”, não concordam com a economia de € 50 bilhões no Orçamento francês. As divergências fundamentais devem permanecer. Mas não acredito que os ecologistas se afastarão totalmente do governo.