sábado, 28 de janeiro de 2017

"O PIB americano e Trump", editorial Estadão

Apesar dos aumentos, a política monetária continua bastante frouxa para permitir a expansão dos negócios


O presidente Donald Trump acaba de assumir o governo de um país em crescimento econômico há oito anos, um dos mais longos períodos de expansão depois da 2.ª Guerra Mundial. A economia americana cresceu 1,6% em 2016, segundo um cálculo provisório. A conta inclui a primeira estimativa do quarto trimestre: 1,9% de expansão em termos anualizados. A estimativa final tem sido frequentemente superior à inicial. De toda forma, o resultado definitivo, embora satisfatório nas atuais condições mundiais, será provavelmente menor que o prometido pelo novo presidente. Segundo seu compromisso, o Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos aumentará em média 4% ao ano em seu mandato. Falta explicar melhor como isso será conseguido e se esse ritmo será sustentável. 
O atual ciclo de crescimento americano começou em 2009, com o país ainda sob o choque inicial da crise financeira de 2007-2008. A economia dos Estados Unidos foi uma das primeiras a entrar em recuperação. O governo combinou medidas de apoio ao setor privado, de duração limitada, com ações de ajuste das finanças públicas. O Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) manteve os juros básicos durante anos na faixa de zero a 0,25%, facilitando a expansão do crédito. As famílias voltaram gradualmente ao consumo, os negócios ganharam impulso e o setor privado retomou o investimento produtivo. 
Inovação e reorganização foram importantes nesse período. Com isso, parte dos trabalhadores ficou para trás, perdendo padrão de vida. Mas a abertura de vagas logo foi retomada e o emprego cresceu, até o segundo semestre de 2016, por 75 meses consecutivos. O desemprego nos Estados Unidos, inferior a 5% da força de trabalho, é um dos mais baixos do mundo, mas esse dado nunca foi considerado de forma adequada no discurso de Trump. Ele se concentrou em responder às frustrações de quem ficou para trás nas mudanças do sistema produtivo. 
O PIB americano cresceu 2,6% em 2015 e perdeu vigor em 2016. Mas, ainda assim, o crescimento foi suficiente para sustentar a expansão do emprego e dar ao dirigentes do Fed segurança para continuar o aumento de juros básicos. A taxa está hoje na faixa de 0,25% a 0,50% ao ano e esperam-se novos aumentos, talvez três, até o fim de 2017. 
Apesar dos aumentos, a política monetária continua bastante frouxa para permitir a expansão dos negócios e, talvez, maior oferta de empregos. O que ocorrerá se o novo governo pisar no acelerador do crescimento? Pelas informações até agora disponíveis, a política expansionista do presidente Trump deverá basear-se, inicialmente, em maiores gastos federais, alguns incentivos tributários e medidas protecionistas, dirigidas, em boa parte, à manutenção e à restauração de setores industriais mais afetados pela competição internacional – ou pouco eficientes e de baixa competitividade, para lembrar fatos escamoteados, de modo geral, pela propaganda trumpista. 
Tudo isso poderá resultar em mais investimentos e, talvez, em maiores contratações. O governo terá alguns feitos para exibir durante algum tempo. Mas essa política também levará à menor produtividade, a custos maiores e preços mais altos para o consumidor. A piora das perspectivas de inflação deverá apressar a elevação de juros pelo Fed, com efeitos nas condições de financiamento, alterações no câmbio e problemas para outros países, especialmente os emergentes.
As primeiras medidas do novo governo, incluídas a decisão de construir o muro na fronteira com o México e a ameaça de imposição de altas tarifas à importação de produtos mexicanos, são prenúncios assustadores. A nova política poderá resultar em algum crescimento, por algum tempo, mas o desprezo a regras comerciais e a tratados – como o Nafta – porá em risco a ordem econômica internacional e produzirá novos conflitos. Depois de oito anos de crescimento seguro e ordenado, os Estados Unidos podem ser jogados numa aventura comandada pelo voluntarismo de um líder populista sem noção aparente de limites. O custo poderá ser muito alto para todo o mundo.