
Getty Images
Por Alyssa Roenigk, publicado originalmente no espnW EUA
Serena Williams está pronta para fazer história. Com mais uma conquista de Grand Slam, ela terá mais títulos do que qualquer outra jogadora ou jogador na era Aberta do tênis. Para isso deve vencer sete partidas em duas semanas nos maiores palcos do esporte. Se vencer o Aberto da Austrália, que começa segunda-feira, Williams, 35 anos, terá conseguido esse feito 23 vezes e se isolará no posto que hoje divide com Steffi Graf. Já não é mais uma questão de se, mas de quando, seja na Austrália, em Wimbledon, em Roland Garros ou no US Open. Assim que ela chegar aos 23 títulos começará a discussão sobre o recorde de 24 títulos de Margareth Court, que inclui conquistas antes da era Aberta, e o debate seguirá.
Assim tem sido a carreira de Serena Williams, pulverizando recorde após recorde para se tornar a primeira, a mais rápida e a mais vitoriosa. Por mais de duas décadas ela atraiu nossas atenções e desafiou nossa capacidade de entender sua personalidade única. Ela é complicada e enigmática, feroz e tímida, intensa mas vulnerável. Quem a conhece melhor diz que essa turbulência interna foi o que a levou a superar os momentos de desespero e continuar em busca da excelência no esporte que escolheu, ao mesmo tempo em que busca a felicidade em uma vida repleta de demonstrações de superação.
Enquanto ela se prepara para mais uma temporada histórica apresentamos uma história narrada a partir de mais de 20 entrevistas com amigos, familiares, adversários e treinadores. Histórias sobre lições, experiências, dificuldades e sucessos que transformaram Williams na maior atleta que o tênis já viu.

Louisa Bertman / Reprodução espnW
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PARTE UM: O PRODÍGIO
PARTE DOIS: O COMEÇO DAS VITÓRIAS
PARTE TRÊS: OS ANOS DIFÍCEIS
PARTE QUATRO: A PAUSA
PARTE CINCO: FALTA APENAS UM
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PARTE UM: O PRODÍGIO
PARTE DOIS: O COMEÇO DAS VITÓRIAS
PARTE TRÊS: OS ANOS DIFÍCEIS
PARTE QUATRO: A PAUSA
PARTE CINCO: FALTA APENAS UM
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PARTE UM: O PRODÍGIO
26 DE SETEMBRO DE 1981
Serena Jameka Williams nasce em Saginaw, Michigan, filha de Richard Williams e Oracene Price. É um sábado.
Oracene Price (mãe): “O que eu me lembro sobre o dia que Serena nasceu é que ela era um bebê de 4,5 kg. Mas não foi assim tão difícil, ela era minha caçula.”
Isha Price (irmã): “A gente não sabia se Serena seria menino ou uma menina. Eu e minhas irmãs estávamos na casa de nossa avó. Não deixaram a gente ir ao hospital e eu me lembro que queria que tivéssemos um irmãozinho. Lembro que nossa avó nos chamou no quarto e disse: “Vocês vão ter outra irmãzinha.” Fiquei um pouco chateada.”
Mais nova de cinco garotas, Serena fez bem o papel de caçula. Enquanto crescia ela dividia o quarto e dois beliches com suas irmãs — Lyndrea e Venus nas camas inferiores e Isha e Yetunde nas camas de cima. Cada noite Serena dormia com uma irmã diferente. Serena sempre conseguia o que queria com suas irmãs mais velhas.

Serena Williams em 1992 (Getty Images)
Isha (irmã): “A gente fazia esses concursos de talento em família e Serena sempre tinha que ganhar. Ela sempre cantava a mesma música, ‘Greatest Love of All’ da Whitney Houston. Mesmo que ela cantasse como um pato rouco, ela ganhava. A gente tinha que fazer isso ou ela ficava com raiva e chorava. Não dava pra aguentar se ela não ganhasse.”
Oracene (mãe): “Tudo tinha que ser perfeito para a Serena, ela ficava frustrada se não fosse. Ela tinha que ganhar sempre, não importa se era um concurso de talentos ou jogo de cartas, ela tinha que ganhar. Ela ficava com as cartas. E todo mundo deixava ela fazer isso. Eles davam pra ela, mesmo se ela não ganhasse. Acho que isso ainda a afeta, porque ela odeia perder. Por isso não teve nenhum cabimento quando disseram que nós estávamos fazendo marmelada nos jogos. Serena não gosta de perder pra ninguém.”
Em 1983 a família se muda para Compton, Califórnia. Depois de descobrir que as melhores jogadoras de tênis ganhavam milhares de dólares por torneio, Richard e Oracene começam a estudar o jogo para treinar as filhas. Quando Serena tinha 3 anos e Venus 4 anos, elas ganharam suas primeiras raquetes e seus pais começaram o trabalho. Chega um momento em que Richard larga seu trabalho para ser treinador das meninas em tempo integral. Serena aprende rápido. Em 1991, com 9 anos, ela joga seu primeiro torneio juvenil e chega à final, onde enfrenta Venus.
Isha (irmã): “Venus era mais velha e jogava torneios, coisa que a Serena ainda não fazia. Nesse torneio em especial, Venus estava inscrita, mas Serena não. Sem que meus pais soubessem, Serena se inscreveu no torneio. Quem faz uma coisa assim? Era preciso pagar para se inscrever e os diretores do torneio tinham que pegar o dinheiro com meus pais. Ela sempre quis ser igual a Venus; é aquela coisa da irmã mais nova que idolatra a mais velha. Desde aquela época ela queria competir.
Venus Williams (irmã mais velha): “Ela ficou cansada de me ver jogar. Ela queria jogar. Naquela época eu era maior e mais forte e nas trocas de bola durante a final ela dizia: ‘Venus, me deixa ganhar um game.’ Eu a ignorei. A gente tinha que ser profissional. Eu acabei ganhando o torneio e depois disse a ela: ‘Serena, a gente devia trocar de troféu. Eu gosto mais do prateado.’ Ela era a irmã caçula, então não teve problema pra pegar meu troféu. Ainda o temos em na nossa casa na Florida.”
1991
Ao contrário da maioria dos jogadores jovens, Serena e Venus jogaram poucos torneios juvenis. Richard decide manter suas filhas fora dos torneios até que elas estejam prontas para competir profissionalmente. Em 1991 elas encontram seu primeiro treinador profissional de alto nível, Rick Macci, em Compton. Alguns meses depois a família se muda para a Flórida, para que Serena e Venus possam treinar com ele no Grenelefe Golf & Tennis Resort em Haines City.
Rick Macci (Técnico de Serena de 1991 até 1995): “Normalmente quando vejo crianças jogarem é em algum torneio nacional. Eu não vou à casa de ninguém. Richard, o pai, disse: ‘A única coisa que eu garanto é que você não vai levar um tiro.’ Eu tinha que conhecer aquele cara. Ele é uma figura. Voei para Los Angeles em uma noite de sexta-feira. Richard, Oracene, Venus e Serena vieram ao meu quarto de hotel em Compton e conversamos por três horas. Nunca vou esquecer Venus e Serena: As meninas estavam sentadas uma em cada perna de Richard e me olhavam enquanto ele me perguntava: O que você comeu no café da manhã? Por que você não é casado? Tem muitas namoradas? Você viaja com crianças? Qual é a sua religião? Que horas você acorda? Você é daltônico? Você já ensinou uma pessoa negra? Quando aquilo terminou ele disse: ‘Nós vamos buscar você às 7 da manhã e ir para o East Hills Country Club.’
“Eles me pegaram em uma van da Volkswagen. Aquilo sacudia para frente e para trás, ali dentro tinha uns três meses de embalagens do McDonald’s, roupas, latas de Coca-Cola, garrafas e uma mola saindo do banco. Chegamos às quadras e não era exatamente um clube de luxo. Era um parque bagunçado. Tinha um pessoal jogando basquete, pessoas dormindo na grama, vidro quebrado na quadra, gente bebendo cerveja. Todo mundo que passava chamava ele de Rei Richard. Tivemos de atravessar a quadra de basquete para chegar às quadras de tênis, e ela se abriu como o Mar Vermelho.
“Normalmente depois de cinco minutos eu consigo dizer se há algo especial. Estávamos batendo bolas e eu pensava: ‘Essas garotas não são tudo isso.’ Havia braços, cabelos e pernas por todos os lados, miçangas voando dos cabelos. Elas estavam improvisando, segurando o jogo. Então eu disse: ‘Vamos jogar alguns pontos.’ Juro por Deus, a coisa mudou completamente. O trabalho de pernas melhorou, a concentração aumentou, o jogo ficou limpo- O que me surpreendeu foi a vontade de correr, lutar e chegar em cada bola como se a vida delas dependesse disso. Nunca tinha visto duas crianças se esforçarem tanto. Eu nunca tinha visto corpos que pudessem se mover daquele jeito. Atletas com corpos como aqueles vão para outros esportes, eles não jogam tênis.
Lyndrea Price (irmã): “O caminho delas era o meu também porque eu tinha que me levantar junto. Quando Venus e Serena saiam eu tinha que sair também. Foi um esforço familiar. Nós não tínhamos equipamento para pegar as bolinhas, aquilo era caro, então eu recolhia as bolas com minha raquete e as pegava. Eu não jogava, mas estava lá todos os dias.
“Mesmo quando criança Serena era forte. Ela tinha músculos. E não precisava fazer muitos exercícios para ficar com aquele físico. Era uma anomalia com 3 anos de idade ela ter aquele corpo. Eu me lembro de pensar: ‘espere até eles conhecerem você.'”
“Mesmo quando criança Serena era forte. Ela tinha músculos. E não precisava fazer muitos exercícios para ficar com aquele físico. Era uma anomalia com 3 anos de idade ela ter aquele corpo. Eu me lembro de pensar: ‘espere até eles conhecerem você.'”
Freddy Bryant (funcionário do East Compton Park): Nós sempre tínhamos que deixar as quadras limpas porque o Richard ficava no nosso pé. Ele trazia geradores e máquinas de lançar bolas de tênis, e as garotas trabalhavam. A mãe sentava na van e ficava lendo. Ela sempre estava lendo. Quando as meninas terminavam elas entravam e jogavam tênis de mesa, depois comiam o almoço de verão que servíamos para a comunidade. Um dia me marcou bastante. Serena estava sozinha, indo de uma linha de base para a outra e Richard perguntava: ‘Você quer desistir? Quer desistir? Vá sentar na van com sua mãe.’ Serena disse que não. Ela não desistiu, e toda vez que batia na bola eu ouvia aquele grunhido. A menina tinha 10 anos. Estava grunhindo e lutando. Eu pensei ‘Caramba. Essa garotinha aqui é uma fera.'”
Nick Bollettieri (lendário treinador de tênis, chefe da academia IMG): “Eu me lembro de Richard Williams vindo até minha casa em Longboat Key com suas duas filhas. Ele dizia que elas seriam maiores do que Michael Jordan. Todos pensavam que Richard era louco. Mas ele fez uma coisa que ninguém fez. Ele mantinha as meninas longe dos torneios e ensinava técnica e garra. O pai dizia ‘Corra em todas as bolas.’ E a Serena respondia ‘Pai, a bola está fora.’ Ele respondia: ‘Nenhuma bola está fora. Você tem dois órgãos visuais: seus olhos e seu cérebro. Quando seu cérebro registrar o que os seus olhos acham que viram, é tarde demais. Mas quando você se mover, vá na bola.”
Macci (Técnico de Serena de 1991 até 1995): “Um dia Venus estava resmungando. Serena não estava se esforçando nem movendo os pés. Eu falei ‘Jameka [nome do meio de Serena], comece a correr.’ ‘O que você vai me dar?’ ela perguntou. ‘Estou cansada. Com sede. Se você me der uma Pepsi, umas batatas fritas e um chocolate… e lá fora eles estão vendendo umas camisetas do Green Day. Se você me der isso vou dar 100% na próxima hora. A maturidade dela era assim. Uma assistente minha pegou tudo isso menos a camiseta, e aquela garota se moveu na quadra como se fosse o Homem-Aranha. Por uma hora ela deu o máximo. Depois desse tempo ela disse: ‘Agora acabou, vou querer aquela camiseta do Green Day aqui às 8 da manhã.'”
28 DE OUTUBRO DE 1995
Aos 13 Serena fez sua estreia profissional na rodada de classificação do Bell Challenge em Quebec, onde ela perdeu em menos de um hora. Ela não jogou nenhum torneio em 1996. Na Ameritech Cup de 1997 ela incomodou a então n° 7 do mundo Mary Pierce e a n° 4 Monica Seles, tornando-se a jogadora com colocação mais baixa no ranking (N° 304) na Era Aberta a derrotar duas adversárias top 10 em um mesmo torneio. Ela perdeu na semifinal.
Bollettieri : “Dos anos em que viajei com a família Williams e eles vieram para meus acampamentos, a história que mais me marcou foi ver Serena sentada em uma sombra na minha quadra, de cabeça baixa, muito chateada. Ela disse: ‘Nick, estou cansada de ficar em segundo lugar.'”
Bollettieri : “Dos anos em que viajei com a família Williams e eles vieram para meus acampamentos, a história que mais me marcou foi ver Serena sentada em uma sombra na minha quadra, de cabeça baixa, muito chateada. Ela disse: ‘Nick, estou cansada de ficar em segundo lugar.'”