sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Nacionalidade alemã e falta de acordo não impedem extradição de Eike, diz especialista

Fausto Macedo e Mateus Coutinho - O Estado de São Paulo

Maristela Basso, professora de Direito Internacional, lembra que acordos internacionais anticorrupção impõem compromisso aos países signatários de extraditarem investigados por crimes contra os cofres públicos


EIKE10  - RJ - 05/12/2011 - EIKE BATISTA/LIVRO - ECONOMIA OE JT - O empresário Eike Batista lança o livro "X da questão – A trajetória do maior empreendedor do Brasil", na livraria da Travessa no Leblon zona sul do Rio de Janeiro. Foto: WILTON JUNIOR/AGENCIA ESTADO/AE
O empresário Eike Batista. Foto: WILTON JUNIOR/AGENCIA ESTADO/AE

O retorno do empresário Eike Batista ao Brasil é praticamente certo, na avaliação de juristas. Para a professora de Direito Internacional e advogada Maristela Basso, a fuga ou viagem de negócio de Eike, às vésperas da Operação Eficiência, deflagrada nesta quinta-feira, 26, foi ‘uma ingenuidade legal’.
“Todos os acordos internacionais anticorrupção trazem hoje os compromissos dos países de devolverem os investigados e condenados em atos de achaque aos cofres públicos”, afirma. “Porque já entram na categoria de crimes contra os direitos humanos e contra humanidade”, disse Maristela Basso, sócia do Nelson Wilians e Advogados Associados.
Eike é acusado de pagar propina de US$ 16,5 milhões para o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB). O juiz Marcelo Bretas, da 7.ª Vara Federal do Rio, decretou a prisão preventiva do empresário. A Operação Eficiência, no entanto, não o localizou. Eike viajou para Nova York, segundo sua defesa, na noite de terça-feira, 24. Ele usou um passaporte alemão para sair do Brasil. A defesa afirma que Eike vai se entregar.
Ainda que o Brasil não tenha acordo de extradição com a Alemanha, na hipótese de Eike — que tem cidadania alemã — estar naquele país, isso não impede que ele seja enviado de volta. “A nacionalidade não quer dizer mais nada. Basta mencionar o caso Pizzolato”, lembra Maristela Basso, em referência ao ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato.
Condenado no processo do Mensalão, Pizzolato procurou refúgio na Itália. Mesmo tendo cidadania italiana, acabou extraditado para o Brasil.
Outra dificuldade apontada pela professora da USP é o fato de o nome de Eike estar na lista de foragidos da Interpol. “Se estiver nos Estados Unidos, mesmo tendo passaporte alemão, ele não conseguirá viajar para a Europa”, diz. “E o nome dele foi incluído na lista vermelha, ou seja, ele entrou no topo da lista dos procurados. Assim, dificilmente conseguirá se deslocar de um lado para o outro, a menos que use um passaporte falso.”
Na avaliação do advogado criminalista e constitucionalista Adib Abdouni, a fundamentação do decreto da prisão preventiva de Eike não tem sustentação. “A alegação do juiz, de que Eike faltou com a verdade em seus depoimentos, não faz o menor sentido, porque conforme o artigo 5.º da Constituição Federal, ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo”, argumenta Abdouni. “Também não se sustenta a afirmação do magistrado, de que os depoimentos de colaboradores contradizem o que Eike disse. Afinal, numa investigação tudo é contraditório, tem que ser apurado da melhor forma”, afirma.
Ainda segundo Abdouni, ‘o empresário não ameaça a credibilidade das instituições públicas porque, até o momento, sempre esteve à disposição da Justiça e da Polícia, sempre tendo comparecido quando intimado’.
“Ele (Eike) deixou o país num voo comercial, passou normalmente pela fiscalização da Polícia Federal no aeroporto. Não havia nenhum impedimento para ele sair do Brasil e, portanto, não é foragido. Eu, como jurista, diria que o empresário, após tomar conhecimento da ordem de prisão por meio da imprensa, não deveria se entregar, mas buscar na Justiça a anulação dessa ordem de prisão.”
O criminalista Daniel Bialski também questiona a conveniência e necessidade da prisão preventiva. “O que preocupa são os fundamentos utilizados pelo magistrado, fazendo registros e argumentações que nos remetem ao tempo em que nossa legislação indicava a obrigatoriedade da custódia antecipada, nos casos de acusações de crimes graves”, argumenta. “O decreto se refere a acontecimentos de anos atrás, e, assim, não vejo como se invocar imprescindibilidade da prisão.”