Timothy Snyder, professor da Universidade Yale, tornou-se um dos historiadores mais respeitados dos EUA com seus trabalhos sobre o Holocausto e a história da Europa. Durante os últimos dez anos, ele publicou livros que explicavam como fascistasascendem ao poder. Eventos históricos, por mais vergonhosos que sejam, devem servir de oportunidade para criar uma nova história, explica Snyder.
“A coisa mais importante que está acontecendo na política é que o futuro foi morto. Ninguém fala sobre o futuro. Todos falam sobre um passado mítico que nunca aconteceu ou falam sobre algum tipo de crise real, imaginária ou fictícia, que está no presente”, diz Snyder, autor de The Road to Unfreedom (O caminho para a falta de liberdade, em tradução livre), seu último livro, publicado em 2018 e sem edição em português.
O que inspirou o sr. a pesquisar as ideias por trás das ações da Rússia contra EUA e Europa?
Notei que as coisas que se iniciaram na Rússia e na Ucrânia também estavam começando a acontecer na União Europeia e nos EUA. E isso levantou uma questão maior: por que o mundo estava se tornando menos democrático? Por que a história não acabou? Por que houve alternativas reais à democracia eleitoral e por que elas pareciam estar ganhando? Então, a razão pela qual escrevi o livro foi que eu me convenci de que estávamos analisando um fenômeno único, que se estendia pelo Ocidente, vindo da Rússia, passando pela UE até os EUA. A maneira de entendê-lo era começar pela Rússia, continuar pela Europa e EUA. Então, comecei a partir do Oriente e direcionei o foco para o Ocidente.
O Ocidente está a caminho da falta de liberdade ou não temos de nos preocupar tanto assim?
Se você não está preocupado um pouco o tempo todo, provavelmente não merece viver em uma democracia. A democracia não basta por si só. Democracia significa um conjunto de regras que permite que as pessoas limitem outras pessoas. Então, devemos estar sempre um pouco preocupados. A democracia está em recuo há mais de uma década. É difícil saber onde essa tendência vai parar. A coisa mais importante que está acontecendo na política é que o futuro foi morto. Ninguém fala sobre ele. Todos falam sobre um passado mítico que nunca aconteceu ou sobre algum tipo de crise real, imaginária ou fictícia, que está no presente. Mas perdemos a prática de falar sobre o futuro.
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O sr. diz no livro que a Ucrânia deveria aprender com a história para fazer história. Este é o seu ponto principal?
Sim, é exatamente isso. Gostemos ou não, estamos na história. As coisas que já aconteceram nos oferecem lições. Também revelam barreiras e oportunidades. Mas se não temos nenhuma ideia do que aconteceu no passado ficamos desamparados. Se não pensarmos em nós mesmos, como se estivéssemos numa espécie de fluxo de tempo, que flui do passado pelo presente até o futuro, não podemos planejar nossas ações. Assim, seremos sempre surpreendidos e derrotados.
O sr. dedica seu livro aos repórteres. Por que isso é importante neste momento?
Porque qualquer oportunidade que tenhamos de reverter tendências, como desigualdade, corrupção ou aquecimento global, depende do trabalho de seres humanos reais para descobrir coisas e escrever sobre o que eles investigaram. Não há substituto para o jornalismo. A internet não substitui isso. Na internet, as pessoas podem repercutir coisas que outros investigaram. Mas somente humanos fazem investigações e sabem quais são as coisas que realmente importam. No caso dos EUA, se não fosse pelos jornalistas simplesmente não saberíamos o que sabemos sobre Donald Trump. Assim como os médicos nos ajudam a ser saudáveis, os repórteres nos ajudam a descobrir a verdade. Assim como a saúde, a verdade é importante, sem a qual não podemos funcionar na esfera pública em uma sociedade democrática. Então, as pessoas que estão tentando buscar a verdade são heróis.
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Por que os líderes fascistas se utilizam tanto de narrativas religiosas para se fortalecer?
Alguns fascistas como os romenos, nos anos 20 e 30, acreditavam que eles incorporavam uma forma de cristianismo. Outros eram seculares ou ateus. Não se pode dizer que o fascismo e a religião necessariamente andam juntos. No caso dos russos, sim. São fascistas cristãos e defendem que o mundo está “estragado”. Deus cometeu um erro ao criar o mundo e Ele só é acessível para quem é puro. Como nosso povo é puro tudo o que fazemos se justifica, porque somos a única esperança de que Deus volte. Mas existem muitas outras formas de fascismo que dispensam a religião.
O sr. reuniu exemplos de ações russas para minar a democracia no Ocidente, mas novos casos surgiram na investigação do procurador Robert Mueller, nos EUA, depois que seu livro foi publicado. O sr. acrescentaria agora mais exemplos ao livro?
Muitas das coisas que escrevi apareceram na investigação de Mueller. No livro, com base no trabalho de jornalistas investigativos russos, escrevi sobre a Internet Research Agency e sobre o fato de que ela empregava pessoas para planejar essa campanha. Essa informação tornou-se muito mais pública quando passou a fazer parte da acusação de Mueller. Mas, na verdade, já estava no livro. Há alguns novos detalhes interessantes. Por exemplo, escrevi sobre Trump planejar construir uma torre em Moscou. O único detalhe que não conhecia era que ele queria dar a cobertura para (Vladimir) Putin de presente. Fico satisfeito ao descobrir que investigadores, usando diferentes tipos de fontes e abordagens, têm chegado a uma história semelhante.
Quem é
Timothy Snyder é historiador americano, professor da Universidade Yale, especializado em história do Holocausto e da Europa Central e Oriental. Entre seus trabalhos mais recentes estão os livros Sobre a Tirania: 20 lições do Século 20 para o Presente, de 2017, e The Road to Unfreedom: Russia, Europe, America, lançado em abril de 2018.
Daniel Haidar, O Estado de S.Paulo