A decisão de não participar ativamente de nenhuma campanha não o tirou do debate público. Nesta entrevista exclusiva ao Estado, ele revela que coordena um grupo de economistas e juristas que preparam uma proposta de reforma da Previdência, segundo ele mais “ousada” que a enviada pelo governo Michel Temer ao Congresso, que permitiria uma economia de R$ 110 bilhões por ano, durante dez anos. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Jair Bolsonaro disse em entrevista que “pediu” a Paulo Guedes uma proposta tributária em que a União arrecade menos, sem explicar ao certo o que pretende fazer. Também disse que vai mexer na economia sem sacrifício para ninguém. Essa conta fecha?
Será preciso no ano que vem fazer um ajuste da ordem de 6 pontos do PIB. A relação dívida/PIB está muito alta, em torno de 80%. O resultado primário terá de ser ainda maior do que era quando a relação era de 50%, porque seria irresponsável não reduzir a dívida. Esse ajuste do saldo primário terá de ser feito num prazo razoavelmente curto, sob pena de não ser crível. Até podemos conceder que, caso o eleito faça boas propostas de ajuste, se faça algo como 4 ou 5 pontos do PIB, e o resto venha da recuperação da economia. Mas se você pensar em reduzir a carga tributária será preciso reduzir o gasto público em mais do que cinco pontos do PIB, algo bem improvável.
O que fazer então?
O colapso fiscal de seis pontos do PIB que houve com a Dilma e o PT pode ser decomposto: um quarto foi a recessão, um quarto foram desonerações e subsídios, e o resto foi aumento de gasto. As desonerações, se consegue reverter. Já cortar gastos vai ficando mais difícil. O resto da resposta teria de vir de uma reforma da Previdência mais completa do que a que está no Congresso.
Como seria essa proposta?
A reforma que está no Congresso permite fazer uma economia de R$ 40 bilhões ou R$ 45 bilhões por ano, em dez anos. Estamos falando de um ajuste necessário de R$ 350 bilhões por ano, então veja que a proposta de reforma da Previdência, como está, resolve apenas uma pequena parte. Estou coordenando um grupo, sob o comando de Paulo Tafner, que está elaborando uma proposta independente e apartidária de reforma da Previdência que permitiria uma economia bem maior. Caso essa proposta seja adotada – e ela será oferecida a quem vencer as eleições – é possível projetar uma economia de R$ 110 bilhões por ano, durante dez anos. Aí o resto do ajuste até que poderia vir da recuperação da economia. Pode até ser, mas não é isso que está no horizonte. Na verdade, há o risco de irmos para um buraco mais fundo.
E quanto à proposta de reduzir a alíquota máxima do Imposto de Renda para 20% sob alegação de que o que isso permitiria em reativação da economia compensaria a perda de arrecadação?
Não acredito no modelo (do economista francês Thomas) Piketty, de imposto sobre a renda nas alturas, mas essa é uma área que teria de ser revisitada. Hoje é preciso, no mínimo, manter a alíquota de 27,5% e eliminar o subsídio implícito na “pejotização”. O gasto tributário feito por Dilma pode ser revertido, mas fazer essa redução de alíquota com o cenário que temos esquece, é inviável.
E de onde poderia vir o resto do ajuste?
Defendo que o Orçamento seja 100% desvinculado. Em todas as áreas, tudo. É algo polêmico, mas é preciso não se esquecer de que o que viria depois não seria um ditador definindo os gastos de maneira arbitrária: seria prerrogativa conjunta do Executivo e do Legislativo, portanto eleitos pelo povo, sem essa camisa de força atual. E em outra frente seria imprescindível uma reforma do Estado, que pode até ser focada num primeiro momento no aspecto de “RH”, que torne o governo mais eficiente.
Essa reforma do Estado também incluiria venda de ativos, imagino. De que ordem?
Total. Isso sempre defendi. O Estado não tem de ter empresa. Quando se acompanha a história do Brasil, dos bancos estaduais, do petrolão, do quanto deu certo a privatização do setor de telecomunicações, do quanto deu errado não levar a cabo a privatização do setor elétrico, isso fica cristalino. Uma venda de ativos ajudaria a reduzir a dívida, além de eliminar espaços para desperdícios e corrupção. Mas pensemos em ordens de grandeza: se fosse possível, ao longo de anos, obter 10% do PIB com vendas de ativos, o saldo primário seria meio ponto do PIB a menos, o que não é desprezível, mas é pouco. E olha que seria uma dificuldade conseguir fazer isso, e, mesmo assim, estou falando em algo como um terço do que estimou o Paulo Guedes. Se começarem a excluir da lista itens grandes, como Banco do Brasil e Caixa, o que o Bolsonaro repetiu na entrevista de terça-feira, aí então é uma total impossibilidade.
Vera Magalhães, O Estado de S.Paulo