quarta-feira, 26 de setembro de 2018

‘Vamos oferecer ao eleito uma reforma para a Previdência’, diz Arminio Fraga

O próximo presidente terá de promover, num curto espaço de tempo, um ajuste fiscal da ordem de seis pontos do PIB, e as propostas colocadas no debate eleitoral não atendem a essa premência. A conclusão é de Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique Cardoso que, depois de ser mencionado em 2014 como provável ministro da Fazenda de Aécio Neves, preferiu ficar mais distante da eleição neste ano.

A decisão de não participar ativamente de nenhuma campanha não o tirou do debate público. Nesta entrevista exclusiva ao Estado, ele revela que coordena um grupo de economistas e juristas que preparam uma proposta de reforma da Previdência, segundo ele mais “ousada” que a enviada pelo governo Michel Temer ao Congresso, que permitiria uma economia de R$ 110 bilhões por ano, durante dez anos. A seguir, os principais trechos da entrevista.

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Ex-BC dedica-se no momento à formulação de propostas para o País, mas diz se tratar de trabalho apartidário Foto: Fabio Motta/Estadão

Jair Bolsonaro disse em entrevista que “pediu” a Paulo Guedes uma proposta tributária em que a União arrecade menos, sem explicar ao certo o que pretende fazer. Também disse que vai mexer na economia sem sacrifício para ninguém. Essa conta fecha?

Será preciso no ano que vem fazer um ajuste da ordem de 6 pontos do PIB. A relação dívida/PIB está muito alta, em torno de 80%. O resultado primário terá de ser ainda maior do que era quando a relação era de 50%, porque seria irresponsável não reduzir a dívida. Esse ajuste do saldo primário terá de ser feito num prazo razoavelmente curto, sob pena de não ser crível. Até podemos conceder que, caso o eleito faça boas propostas de ajuste, se faça algo como 4 ou 5 pontos do PIB, e o resto venha da recuperação da economia. Mas se você pensar em reduzir a carga tributária será preciso reduzir o gasto público em mais do que cinco pontos do PIB, algo bem improvável.

O que fazer então?

O colapso fiscal de seis pontos do PIB que houve com a Dilma e o PT pode ser decomposto: um quarto foi a recessão, um quarto foram desonerações e subsídios, e o resto foi aumento de gasto. As desonerações, se consegue reverter. Já cortar gastos vai ficando mais difícil. O resto da resposta teria de vir de uma reforma da Previdência mais completa do que a que está no Congresso.

Como seria essa proposta?

A reforma que está no Congresso permite fazer uma economia de R$ 40 bilhões ou R$ 45 bilhões por ano, em dez anos. Estamos falando de um ajuste necessário de R$ 350 bilhões por ano, então veja que a proposta de reforma da Previdência, como está, resolve apenas uma pequena parte. Estou coordenando um grupo, sob o comando de Paulo Tafner, que está elaborando uma proposta independente e apartidária de reforma da Previdência que permitiria uma economia bem maior. Caso essa proposta seja adotada – e ela será oferecida a quem vencer as eleições – é possível projetar uma economia de R$ 110 bilhões por ano, durante dez anos. Aí o resto do ajuste até que poderia vir da recuperação da economia. Pode até ser, mas não é isso que está no horizonte. Na verdade, há o risco de irmos para um buraco mais fundo.

E quanto à proposta de reduzir a alíquota máxima do Imposto de Renda para 20% sob alegação de que o que isso permitiria em reativação da economia compensaria a perda de arrecadação?

Não acredito no modelo (do economista francês Thomas) Piketty, de imposto sobre a renda nas alturas, mas essa é uma área que teria de ser revisitada. Hoje é preciso, no mínimo, manter a alíquota de 27,5% e eliminar o subsídio implícito na “pejotização”. O gasto tributário feito por Dilma pode ser revertido, mas fazer essa redução de alíquota com o cenário que temos esquece, é inviável.

E de onde poderia vir o resto do ajuste?

Defendo que o Orçamento seja 100% desvinculado. Em todas as áreas, tudo. É algo polêmico, mas é preciso não se esquecer de que o que viria depois não seria um ditador definindo os gastos de maneira arbitrária: seria prerrogativa conjunta do Executivo e do Legislativo, portanto eleitos pelo povo, sem essa camisa de força atual. E em outra frente seria imprescindível uma reforma do Estado, que pode até ser focada num primeiro momento no aspecto de “RH”, que torne o governo mais eficiente.

Essa reforma do Estado também incluiria venda de ativos, imagino. De que ordem?


Total. Isso sempre defendi. O Estado não tem de ter empresa. Quando se acompanha a história do Brasil, dos bancos estaduais, do petrolão, do quanto deu certo a privatização do setor de telecomunicações, do quanto deu errado não levar a cabo a privatização do setor elétrico, isso fica cristalino. Uma venda de ativos ajudaria a reduzir a dívida, além de eliminar espaços para desperdícios e corrupção. Mas pensemos em ordens de grandeza: se fosse possível, ao longo de anos, obter 10% do PIB com vendas de ativos, o saldo primário seria meio ponto do PIB a menos, o que não é desprezível, mas é pouco. E olha que seria uma dificuldade conseguir fazer isso, e, mesmo assim, estou falando em algo como um terço do que estimou o Paulo Guedes. Se começarem a excluir da lista itens grandes, como Banco do Brasil e Caixa, o que o Bolsonaro repetiu na entrevista de terça-feira, aí então é uma total impossibilidade.

Vera Magalhães, O Estado de S.Paulo