Na carona do habeas corpus dado ao ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB), nove acusados por tráfico, roubo, falsificação e crimes contra administração pública e um deputado de Santa Catarina (João Rodrigues, do PSD/SC), todos presos, recorreram ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo, por liberdade. Um primo do tucano, Luiz Abi Antoun, alvo da Lava Jato, também entrou na fila. Nesta sexta, 28, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, requereu ao ministro que rejeite as solicitações.
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- ALERTA DE RAQUEL PDF
Beto Richa foi preso na Operação Radiopatrulha no dia 11, sob investigação de desvios no Programa Patrulha do Campo – manutenção de estradas rurais do Paraná.
O tucano adotou uma estratégia inusual para se livrar da prisão da Radiopatrulha. Ele não entrou com habeas corpus no Supremo, classe processual adequada para pedidos de liberdade. Preferiu outro caminho ao protocolar pedido de liberdade nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 444, o polêmico processo que vetou a condução coercitiva, de relatoria do próprio Gilmar.
Na manifestação, a procuradora-geral afirma que os pedidos das defesas dos nove investigados são a confirmação do receio externado no recurso apresentado pelo Ministério Público Federal em 18 de setembro. Na ocasião, Raquel argumentou que, caso prevalecesse a decisão que beneficiou Beto Richa, o ministro seria transformado em ‘o revisor universal de todas as prisões temporárias do país’.
Ela destaca ainda a variedade de situações apresentadas nas petições de revogação de prisões que, no momento, aguardam apreciação do ministro.
Entre os autores, estão acusados por roubo, fraude em licitação, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e organização criminosa. “Também chama atenção o fato de alguns pedidos fazerem referência à concessão do habeas corpus a Beto Richa.”
Em um caso, o acusado de roubo armado chama o ministro de ‘pai da Constituição’ e afirma que Gilmar já concedeu ‘mais de 37 habeas corpus em casos de prisões preventivas genéricas’. O autor já teve o pedido de liberdade negado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e pelo relator da ação no Superior Tribunal de Justiça.
Ao apresentar o pedido de liberdade, a defesa de outro acusado afirma que a situação do cliente é ‘ainda mais grave’ que a do ex-governador paranaense. Acusado de fraudar licitações, ele afirma que só foi preso preventivamente devido à proibição das conduções coercitivas pelo STF. Neste caso, não há registro de que antes de acionar o Supremo, tenha sido apresentado recurso ao STJ.
Entre os investigados que clamam por uma decisão favorável de Gilmar, está Luiz Abi Antoun, o primo de Richa. Ele teve a prisão preventiva decretada pelo juiz Paulo Sérgio Ribeiro, da 23.ª Vara Federal em Curitiba, na quarta, 26. Fora do País, o primo está no Líbano.
Como argumento para o pedido de habeas de ofício, a defesa de Abi Antoun alega que a real intenção da decisão judicial era uma condução coercitiva ‘com o objetivo de expor o depoente a vexame público’.
No caso do deputado João Rodrigues (PSD/SC), a defesa sustenta que o parlamentar ‘é vítima da Polícia e do Ministério Público’. Também critica a decisão em que o ministro do STF Roberto Barroso determinou a execução provisória da pena, solicitando que o relator da ADPF impeça a execução de sua condenação.
João Rodrigues está condenado a 5 anos e três meses de detenção por crimes contra a Lei de Licitações, quando ocupava o cargo de prefeito interino de Pinhalzinho (SC).
Na manifestação, a procuradora destaca que a legislação veda a apresentação de pedidos individuais em ADPF.
Raquel observa que os pedidos ‘desrespeitam o princípio constitucional do juiz natural, pela supressão de instância (quando o pedido é apresentado ao STF antes de passar pelos tribunais de segunda instância ou STJ) e pela violação de regras constitucionais que disciplinam a competência da Suprema Corte’.
Ao destacar que em todos os casos os autores citam o mesmo argumento, o de que suas prisões não passaram de conduções coercitivas disfarçadas, a procuradora-geral frisa que os requerentes buscam, na verdade, ‘atalho processual’ para que seus pedidos sejam apreciados por um mesmo ministro, no caso Gilmar, ‘situação que não encontra respaldo na Constituição ou na legislação’.
“A eventual revogação destas ordens judiciais de prisão, como no caso da ordem judicial relativa a Carlos Alberto Richa, deve observar as normas legais e constitucionais previstas para tanto: sede processual própria, juízo natural competente e observância aos ritos pertinentes, que impedem supressão de instâncias e distribuição de todos os pedidos de liberdade para um mesmo juiz”, afirma.
Julia Affonso, O Estado de São Paulo