No fatiamento da estatal pelos partidos políticos durante o petrolão, as duas diretorias responsáveis pela obra respondiam ao PT. Graça Foster, antes de se tornar presidente da Petrobras, em 2012, comandou a área de Gás e Energia por cinco anos, precisamente o período de construção do gasoduto pela Schahin. O engenheiro Santoro, então seu fiel escudeiro, sucedeu-lhe no cargo. Figueiredo, que junto com Santoro chancelou a ida da estatal à arbitragem, também foi nomeado por Graça. Ele é investigado na Lava-Jato por suspeita de recebimento de propina que, segundo o delator Eduardo Vaz Musa, também ex-funcionário da Petrobras, teria como destinatário final o ex-ministro José Dirceu.
A Schahin já é uma velha conhecida da Lava-Jato. A empreiteira pertence ao mesmo grupo do banco que, em 2004, realizou um empréstimo fraudulento no valor de 12 milhões de reais ao PT, usando como laranja José Carlos Bumlai, pecuarista amigo do ex-presidente Lula. O empréstimo nunca foi pago, mas, em troca dele, a Schahin Petróleo e Gás ganhou em 2009 um contrato bilionário para operar por vinte anos um navio-sonda da Petrobras, pelo qual receberia 1,6 bilhão de reais (apenas parte do valor foi paga, pois o contrato foi interrompido após o escândalo). Pela maracutaia, os irmãos Salim e Milton Schahin, sócios do grupo, e Fernando Schahin, filho de Milton, foram condenados a penas que variam de cinco a dez anos de prisão pelos crimes de gestão fraudulenta e corrupção ativa.
A história do gasoduto, contudo, passou em branco nas delações relacionadas à empresa. Chamado de Gastau, o gasoduto vai de Caraguatatuba, no Litoral Norte de São Paulo, a Taubaté, no Vale do Paraíba, e escoa o gás natural produzido em campos de petróleo da Bacia de Santos. Inaugurado em abril de 2011, o Gastau já havia custado 334 milhões de reais — 111 milhões a mais em comparação com o valor original, em razão dos notórios empilhamentos de aditivos que, em muitos casos, serviram como dreno da corrupção, como mostrou a Lava-Jato. O Gastau já havia sido apontado pelo ex-diretor da Petrobras Pedro Barusco — aquele que devolveu quase 100 milhões de dólares ao fechar um acordo de delação com o Ministério Público — como uma das obras que ajudaram a remunerar o PT e os executivos da Petrobras com polpudas propinas.
Durante as obras do gasoduto, a Schahin apresentou quase vinte pedidos de aditivos. Parte deles foi aceita pelos técnicos da companhia (a que somava 111 milhões). Outra parte, porém, foi rejeitada — não uma, mas duas vezes por comissões formadas por técnicos diferentes. Tais aditivos estavam relacionados à abertura de um túnel de 5 quilômetros de comprimento na Serra do Mar. A necessidade da obra já era de conhecimento da empresa desde a assinatura do contrato, mas, em dado momento, a empreiteira alegou que o tipo de rocha encontrado durante as escavações se revelara de difícil perfuração, o que encareceria o custo do serviço. Engenheiros da Petrobras, porém, consideraram à época que o pleito da Schahin não procedia. Argumentaram que qualquer construtora tem de considerar o risco geológico nesse tipo de obra, mesmo porque a geologia da Serra do Mar é sobejamente conhecida — já se abriram vários túneis nela para a construção de estradas. Foi essa pendenga geológica que acabou indo para arbitragem e rendendo os 150 milhões à Schahin.
Durante a construção do gasoduto, outro episódio inusitado ocorreu. Quando o túnel foi concluído, ficou impossível retirar a máquina que o havia perfurado, conhecida como “tatuzão”, sem desmontá-la. A retirada levaria pelo menos seis meses, o que atrasaria ainda mais a inauguração do gasoduto. Graça Foster fez as contas e alegou que custaria mais caro atrasar a entrega da obra do que deixar a máquina por lá mesmo — e, portanto, abandonaram e enterraram o “tatuzão” no meio da Serra do Mar. E, com isso, a Petrobras teve de pagar 51 milhões de reais à empresa dona da máquina.
Durante a construção do gasoduto, outro episódio inusitado ocorreu. Quando o túnel foi concluído, ficou impossível retirar a máquina que o havia perfurado, conhecida como “tatuzão”, sem desmontá-la. A retirada levaria pelo menos seis meses, o que atrasaria ainda mais a inauguração do gasoduto. Graça Foster fez as contas e alegou que custaria mais caro atrasar a entrega da obra do que deixar a máquina por lá mesmo — e, portanto, abandonaram e enterraram o “tatuzão” no meio da Serra do Mar. E, com isso, a Petrobras teve de pagar 51 milhões de reais à empresa dona da máquina.
O contrato entre a Petrobras e a Schahin para a construção do gasoduto foi assinado em 2008 — e não previa cláusula de arbitragem. Quando isso ocorre, a parte acionada não é obrigada a aceitar o processo e o caso passa a tramitar nos tribunais de Justiça. Por esse motivo, funcionários da estatal ouvidos por VEJA, que haviam trabalhado no contrato e acompanhado as obras, tinham certeza de que a arbitragem seria rejeitada pela empresa. Surpreendentemente, não foi o que aconteceu. Dois meses depois de receber o pedido da Schahin, a diretoria da Petrobras aceitou participar do processo.
Nas arbitragens, em geral, cada uma das partes escolhe um julgador independente e as duas, juntas, elegem um terceiro. É, portanto, um trio de árbitros que geralmente decide a questão. No caso do gasoduto, porém, houve outro elemento surpreendente: o processo foi julgado por um árbitro único, escolhido em uma lista com três nomes apresentada pela Schahin. Em 19 de dezembro, o árbitro deu ganho de causa à Schahin. As equipes técnicas da Petrobras que participaram da avaliação dos pleitos da empreiteira nunca tiveram acesso à sentença.
O procurador da República Marinus Marsico diz enxergar indícios de irregularidades no caso Gastau. Ele investigou a compra da refinaria de Pasadena, em que a Petrobras pagou inexplicáveis 2 bilhões de reais por um ativo sucateado e ineficiente. Diz Marsico: “A diretoria da Petrobras está lá para defender os interesses da estatal, e, como já havia a recomendação de não pagar a reivindicação da empreiteira, o caminho natural seria deixar que a Schahin recorresse à via judicial”. Outro ponto grave, na avaliação do procurador, é o fato de o pagamento feito à Schahin nunca ter chegado ao conhecimento de seus acionistas. “A Petrobras é uma empresa de capital aberto e deve satisfação a seus acionistas. O correto seria relatar a perda em seus demonstrativos e balanços. Afinal, 150 milhões de reais não deveriam ser considerados irrelevantes, e, caso a disputa tivesse sido tratada na Justiça, teria de se tornar pública.”
Procurada por VEJA, a Petrobras disse que não comentaria o assunto, pois as arbitragens são processos sigilosos. Alcides Santoro afirmou que a diretoria decidiu aceitar a arbitragem para resolver a pendência de uma vez por todas, já que um processo judicial seria muito mais demorado. Segundo Santoro, quem conduziu todo o processo de arbitragem, incluindo a opção de realizá-la com árbitro único, foi a diretoria de Engenharia, então comandada por José Antônio de Figueiredo. Figueiredo não atendeu ao pedido de entrevista, assim como a ex-presidente da estatal Graça Foster.
Família em apuros
Além de Milton Schahin, condenado em segunda instância a nove anos e dez meses, dois membros do clã Schahin respondem a processo na Lava-Jato
Fernando Schahin, filho de Milton, foi condenado em primeira instância por corrupção ativa e lavagem de dinheiro no mesmo caso do empréstimo ao PT envolvendo o banco da família. Foi absolvido em segunda instância pelo crime de corrupção e ainda tenta se livrar da condenação de cinco anos e quatro meses por lavagem de dinheiro
Salim Schahin, irmão de Milton, foi condenado em primeiro e segundo graus a nove anos de prisão por gestão fraudulenta no caso do empréstimo de 12 milhões de reais ao PT. Foi o primeiro da família a fazer delação. Não chegou a ser preso e cumprirá parte da pena em prisão domiciliar. Aguarda o julgamento de embargos infringentes no TRF da 4ª Região
Roberta Paduan, Veja