sexta-feira, 4 de maio de 2018

Temer: “Se o crime é contornável, um presidente não deve ser arrancado da poltrona”

Com Blog do Josias, UOL

Numa longa entrevista a veículos governamentais de comunicação, Michel Temer soou esquisito ao tratar do inquérito em que é investigado sob a suspeita de ter recebido propinas de empresas portuárias. Desdenhou da hipótese de arrostar uma terceira denúncia criminal: seria mais “pífia” do que as duas anteriores. Acomodou a nova encrenca —conduzida pela Polícia Federal, sob a supervisão da Procuradoria e o comando do Supremo— no balaio de uma “campanha oposicionista.” Ao vangloriar-se de sua capacidade de resistência, Temer declarou:
“Eu não tenho a menor preocupação. É apenas uma campanha deliberada para: 'Ah, pode vir uma terceira denúncia etc…'. Isto é para tentar enfraquecer o governo. Mas, olha, se nós resistimos até hoje, podemos resistir mais quatro ou cinco meses. De fato, quando você aponta para ‘será?’, seria, digamos assim, conveniente tratar da deposição de um presidente cinco meses antes [do término do mandato], é porque um delito ele praticou. Se ele praticou um delito daqueles incontornáveis, evidentemente seria o caso de ele não permanecer um mês. Agora, se a pergunta se dirige ao Brasil, eu digo que esta possibilidade é, se fosse dar nota, seria nota zero.''
Temer não costuma jogar palavras fora. Ele as escolhe com método os vocábulos que encadeiam suas frases. Poderia ter declarado algo assim: “Minha deposição não ocorrerá porque sou inocente. A possibilidade de eu ter cometido um delito é, se fosse dar nota, zero.” Entretanto, preferiu declarar que a queda de um presidente só é admissível se o delito praticado por ele está catalogado na faixa “daqueles incontornáveis.” Foi como se o presidente declarasse, com outras palavras: “Se o crime é contornável, um presidente não deve ser arrancado da poltrona.”
Como Temer não forneceu exemplos, a plateia fica autorizada a indagar: Seria contornável receber verbas de empresas portuárias por baixo da mesa? Ou: Quão contornável seria lavar verbas de má origem em reformas e aquisições imobiliárias? Considerando-se a quantidade de melado que escorre do Planalto, Temer não deveria dizer coisas definitivas sem definir muito bem as coisas.