Estamos acompanhando estarrecidos as primeiras revelações sobre a roubalheira derivada da Lei Rouanet. Acho, como diria o viciado em clichês, que se trata apenas da ponta do iceberg. Nessa matéria, preciso dizer uma coisa que me parece imperiosa: eu sou contra qualquer forma de incentivo ou subsídio à produção cultural por princípio. Aliás, eu sou contra subsídio ou incentivo especial para a produção de feijão. Imaginem se vou defender tais expedientes para metáforas e trinados.
E notem: nesse caso, estou me referindo a pessoas que fazem honestamente o seu trabalho. Estou partindo do princípio de que não existe roubalheira. Mesmo assim, sou contra.
Aqui e ali se fazem algumas confusões: “Ah, o estado não dá dinheiro para determinadas produções; apenas autoriza a captação de recursos”. Alto lá duas vezes! Em primeiro lugar, em alguns casos, dá dinheiro, sim. Em segundo lugar, a palavra “captação” esconde uma verdade: renúncia fiscal. A empresa que faz a sua doação pela Lei Rouanet vai deduzir do Imposto de Renda uma parcela do que doou. Logo, Lei Rouanet é dinheiro público, sim, mesmo na modalidade “autorização para captação”. Deixa de entrar nos cofres públicos o dinheiro que deveria. E, como vemos, dada a vida dos nababos, a grana acaba em algum lugar.
A Lei Rouanet é de 1991. Está aí, portanto, há 25 anos. Digam-me cá: assistimos, por acaso, a algum notável florescimento cultural? Gênios do povo surgiram nesse período? Alguma experiência de arte de vanguarda caiu nas graças da lei e exerceu a sua influência a ponto de mudar parâmetros, ganhar epígonos? O que o povo brasileiro efetivamente ganhou nesse tempo? A resposta é conhecida. Os únicos beneficiários da Lei Rouanet são… os beneficiários da Lei Rouanet!!!
A Lei de Incentivo ao Audiovisual é outra, mas também lida com a ideia de subsídio. Já financiou algumas coisas boas. Já alimentou muitas porcarias. A única intervenção que eu admitiria do estado nessa área seria no incentivo à criação de um mercado que pudesse, este sim, financiar os artistas e sua produção.
Não posso compreender que um artista produza a sua obra com financiamento estatal — não nos dias que correm. Não faz sentido. Se o mercado quer o que está sendo produzido, ele vai financiar; se ele ainda não quer porque não entende a linguagem, porque esta lhe parece hostil ou porque a mensagem soa aborrecida, é um contrassenso que o estado paternalista, então, se encarregue de financiar “a vanguarda”. Inexiste vanguarda do oficialismo. Contestador financiado pelo cofre público é picareta.
Da mesma sorte, não faz sentido que o leite de pata estatal alimente artistas do establishment. Ora, há só uma chance de o sujeito que produz segundo os cânones não dar certo: não ser acolhido pelo público que deseja capturar. Se é assim, por que dar a ele recursos oficiais?
Vícios
Sei que muitos artistas rejeitam essa perspectiva. “Pô, já é tão ruim… Imagine se não houver incentivo nenhum!” Eu diria que se trata precisamente do contrário: para que seja bom, é preciso que algo se financie. Só assim artistas e produtores saem da zona do conforto. Não deve ser mera coincidência que, pré-leis de incentivo, peças de teatro ficarem em cartaz de terça a domingo, com duas sessões aos sábados. Hoje, com a mamata da Rouanet, mal se aguentam de quinta a domingo.
Sei que muitos artistas rejeitam essa perspectiva. “Pô, já é tão ruim… Imagine se não houver incentivo nenhum!” Eu diria que se trata precisamente do contrário: para que seja bom, é preciso que algo se financie. Só assim artistas e produtores saem da zona do conforto. Não deve ser mera coincidência que, pré-leis de incentivo, peças de teatro ficarem em cartaz de terça a domingo, com duas sessões aos sábados. Hoje, com a mamata da Rouanet, mal se aguentam de quinta a domingo.
A arte não é feita pelo público, mas pelo artista. Este, no entanto, só existirá se houver quem o reconheça. Entram aí muitas variáveis, mas uma coisa é certa: não será a transformação da produção artística numa burocracia que vai libertar as novas mentes criativas.
Finalmente
Por último, noto que a escolha do projeto A ou do projeto B para receber os benefícios será sempre arbitrária e acabará derivando do gosto dos que têm a caneta na mão. E nós todos gostamos de coisas diferentes. Por que vamos permitir que o estado escolha o que julga interessar?
Por último, noto que a escolha do projeto A ou do projeto B para receber os benefícios será sempre arbitrária e acabará derivando do gosto dos que têm a caneta na mão. E nós todos gostamos de coisas diferentes. Por que vamos permitir que o estado escolha o que julga interessar?
Leis de incentivo à cultura com honestidade já seriam perniciosas e teriam de ser extintas. Com roubalheira, tornam-se insuportáveis.
Pelo fim da Lei Rouanet!