Há seguramente uma série de "forças centrífugas" no plebiscito em que os britânicos chocaram o mundo ao optar por se divorciar da União Europeia (UE).
Percebe-se claro medo de descaracterização da cultura britânica com aumento relativo da população islâmica. Ojeriza à imigração.
Na mesma medida, nostalgia pelo passado de grandeza —"império sobre o qual o sol jamais se punha". E, ainda, proteção a setores e postos de trabalho na esfera industrial amplamente ameaçados pela globalização.
Contudo, também influiu na decisão britânica uma grande aversão à burocracia comunitária sediada em Bruxelas. Não é apenas uma questão de velocidade. Embora, nesse quesito, a morosidade europeia seja assombrosa.
Foto: Picture-alliance/empics/T.Melville | ||
Bandeiras do Reino Unido e da União Europeia tremulam em Londres |
O acordo UE-Canadá de comércio, que ainda não entrou em vigor, arrasta-se por anos, dentre outras razões, por um contencioso apresentado pela Grécia referente aos direitos de utilização da denominação "queijo feta".
Edmund Phelps, professor da Universidade Columbia e Nobel de economia, aponta também para como a burocracia centralizadora de Bruxelas intimida o empreendedorismo e a busca por inovação —verdadeiros motores da prosperidade no século 21.
Por que os britânicos deveriam dar-se as mãos eternamente a uma região do mundo —a Europa— que demograficamente envelhece e economicamente tende à estagnação?
E, ainda, trata-se sobretudo de um espaço de manobra —assim argumenta a elite dos "brexiters"— cada vez menor para que Londres negocie seus próprios interesses.
Nessa linha, há uma possível interpretação da consulta britânica como algo que deveria centrar-se menos no binômio "populismo-protecionismo", e mais no que o Reino Unido poderia conseguir em termos de autonomia negocial para a reconstrução de seu perfil como "global trader".
A partir daí, os britânicos, desvencilhando-se das amarras impostas pela UE, poderiam negociar acordos de comércio e investimentos, bi ou plurilaterais, com quem quer que seja —China, Brasil, Índia, EUA, Austrália, Japão e até mesmo a própria UE.
Embora me pareça exageradamente otimista essa argumentação de que o Brexit signifique disposição por maior raio de ação nas negociações comerciais do que simplesmente um estado de alma nacionalista e ensimesmado, ela mostra o que pode ser uma tendência para as novas geometrias de comércio e investimento.
Até agora, o paradigma "regional" pareceu ser a principal referência no desenho da cooperação econômica. Os 1990 viram Europa (com UE) América do Norte (com o Nafta) e América do Sul (em especial com o Mercosul) aprofundando a interdependência com a vizinhança.
Na medida em que o próprio comércio internacional passa por uma metamorfose —em que os bens intangíveis intensivos em tecnologia, serviços e design ocupam fatia cada vez maior —, por que limitar-se à "circunstância territorial" como campo privilegiado da estratégia comercial?
Nesse contexto, o exemplo da TPP (Parceria Transpacífico) pode mostrar-se ainda mais moderno. Não é a proximidade geográfica ou uma herança histórico-cultural comum que motiva o ingresso de países tão distintos —e distantes— como Chile ou Vietnā no ambicioso tratado.
O que os une na TPP é uma espécie de "interdependência seletiva": topar o jogo pelas mesmas regras em comércio, investimentos, padrões trabalhistas, critérios ambientais e normas de propriedade intelectual e, claro, acesso privilegiado a grandes mercados —ainda que geograficamente longínquos.
Nesse novo xadrez geoeconômico, a integração pode ser menos intensa com seu vizinho ou seu primo, e mais vigorosa com quem pensa como você.