quinta-feira, 30 de junho de 2016

Clóvis Rossi: "Falência da política"

Folha de São Paulo


Scott Heppell/AFP
Cartazes a favor da saída britânica da União Europeia são colocados em prédio de Redcar, na Inglaterra
Cartazes a favor da saída britânica da União Europeia são colocados em prédio de Redcar, na Inglaterra


Folha de São Paulo

Na manifestação da terça (28) contra o Brexit, diante do Parlamento britânico, um jovem carregava um cartaz tosco mas eloquente: "Políticos são como espermatozoide. Um em um milhão vira [ser] humano".

Não creio que ganhe um Nobel de Biologia, mas seguramente é candidato a aplausos de uma parte considerável da humanidade.

Se já havia desconfiança universal em relação aos políticos, o Brexit, a saída britânica da da União Europeia, levou-a ao paroxismo. Prova-o coluna de Ellie Mae O'Hagan (Centro para Estudos Sociais e do Trabalho) em "The Guardian": "Não há nada como uma crise constitucional para expor o que só pode ser descrito com a abjeta porcaria de nossa classe política".

Bem-vinda ao clube, Ellie: há três meses, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima (Lava Jato) já dissera que o o sistema político-partidário brasileiro está "apodrecido". É uma "porcaria" ou apodreceu porque se abriu insanável brecha entre representantes e representados. Aliás, suspeito que estes até se ofendem quando dizem que são representados por essa classe política.

No Reino Unido, o Brexit tornou a brecha uma fratura exposta: os líderes dos três grandes partidos (Conservador, Trabalhista e Liberal-Democrata) fizeram campanha pela permanência na União Europeia e não foram ouvidos pela maioria.

Na verdade, a fratura vai além da política: a elite britânica, na economia e na academia, também era majoritariamente pela permanência. Basta dizer que uma pesquisa interna do grupo de lobby "TheCit­yUK" previa que 84% da City, o coração financeiro do Reino Unido e da Europa, vo­ta­ria contra o Brexit.

É tão imensa a brecha que James Traub, pesquisador do Centro para a Cooperação Internacional, ousou desafiar o politicamente correto, em artigo desta quarta (29) para o sítio da "Foreign Policy", cujo título diz tudo: "É tempo de as elites se rebelarem contra as massas ignorantes".

Forte, não? Na verdade, o artigo é um grito contra demagogos como Donald Trump, por exemplo, que vendem tolices e/ou mentiras que são compradas pelos "ignorantes", que acabam votando por disparates como o Brexit.

Suspeito que o problema é um pouco mais complexo e tem a ver com o funcionamento da democracia, ainda o pior dos regimes fora todos os outros, para citar Winston Churchill (1874-1965).

Trata-se do que Mark Blyth, professor de Economia Política na Brown University, chama de "tensão inerente entre capitalismo e políticas democráticas: capitalismo aloca recursos por meio dos mercados, enquanto a democracia aloca poder por meio do voto".

É um tema que Delfim Netto tem tocado com alguma frequência no seu espaço na Folha, como o fez, aliás, nesta quarta (29).

Nos anos mais recentes, essa tensão se resolveu da seguinte maneira, segundo Blyth: "Hoje, os mercados de capitais e os capitalistas estabelecem as regras que governos democráticos têm que seguir".

O que parece que está acontecendo no mundo todo é uma reação contra essa dominação, na base mais de sentimentos do que de informação.