quarta-feira, 29 de junho de 2016

Ruy Castro: "Nossos 'serial killers'"

Folha de São Paulo


O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato, comparou a corrupção a um assassinato em série, "que mata sorrateiramente milhares de pessoas em estradas esburacadas, hospitais sem remédios e ruas sem segurança". Significa: o dinheiro desviado para bolsos partidários ou particulares resulta em desassistência, pobreza e morte. Para Dallagnol, e com razão, o corrupto equivale a um "serial killer".

Em Londres, há duas semanas, fui à caça do "serial killer" mais famoso do mundo: 

Jack, o Estripador — o homem que, entre agosto e novembro de 1888, matou seis mulheres em Whitechapel, bairro miserável da zona leste da cidade. Sua identidade nunca foi descoberta. A cada 20 anos, alguém vem com a solução "definitiva" do caso, que logo se revela inconsistente e será substituída por outra.

Munido de mapas, nomes de ruas e tudo que sei sobre o Estripador, fui de táxi à distante Whitechapel. As velhas ruas por onde ele circulou ficaram modernas, sem interesse. Mas uma delas, a Gunthorpe Street, cenário do quarto assassinato, conserva a atmosfera original: sinistra, quase um beco, de paralelepípedos, prédios feios e sujos. Jack andou por aquelas pedras. E um pub, o White Hart, de 1721, continua lá — ou ele ou suas vítimas o frequentaram.

De repente, farejando o otário, saem das tocas as ofertas de "excursões guiadas" pelos passos de Jack, turmas com hora marcada a 10 libras por cabeça e venda de camisetas, chaveiros, abridores de garrafas. É decepcionante. Mas inevitável: 

Jack, o Estripador foi há 128 anos. Hoje, só mesmo para fins turísticos.

É o de que precisamos aqui — que, um dia, se possa promover excursões guiadas aos nossos "serial killers", digo, corruptos, por seus escritórios em Brasília, Rio, São Paulo. Mas, para isso, precisarão estar extintos ou a ferros.