Dyelle Menezes e Mônica Tavares - Contas Abertas
A Polícia Federal fez ontem (28) em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro, a Operação Boca Livre para apurar desvios de recursos federais em projetos culturais com benefícios de isenção fiscal previstos na Lei Rouanet. Os números que rodeiam a legislação são altos. Nos últimos 24 anos, R$ 67,7 bilhões foram aprovados pelo Ministério da Cultura para 107,4 mil projetos.
A aprovação do Ministério não significa que o projeto será patrocinado. É apenas o aval para que o artista busque o incentivo junto a empresas, que têm em troca abatimento de impostos correspondente ao valor investido no projeto. Dessa forma, cerca de 50 mil projetos foram efetivamente apoiados no montante de R$ 17,3 bilhões. Só em 2016, já foram captados R$ 270 milhões em mais de mil iniciativas.
No mesmo dia da Operação “Boca Livre”, o Ministério da Cultura publicou no Diário Oficial da União (DOU) portaria autorizando que novos projetos, no valor de R$ 5,4 milhões possam se beneficiar da Lei Rouanet (8.313/91). A legislação permite que os grupos possam captar recursos junto a inciativa privada, que contará em contrapartida isenções fiscais.
Outra portaria do Ministério da Cultura de ontem prorrogou até o final de 2016 o prazo para que sete projetos artísticos continuem buscando patrocínio das empresas privadas. Normalmente, os grupos têm um ano para conseguir o apoio das companhias, prorrogável por seis meses.
Dois projetos receberam autorização do Ministério da Cultura para buscar maior valor para realização. Um deles foi o “Interatos – Mostra e Formação Permanente de Teatro, Dança e Circo”, de João Pessoa (PB), que poderá captar R$ 1,016 milhã. E o outro foi “Qual vai ser”, projeto de circulação de peça de teatro para adolescentes, que será apresentada em 80 cidades do país. O grupo responsável pelo projeto é a Fundação de Desenvolvimento Educacional e Cultural do Sistema de Crédito Cooperativo (Sicredi), de Porto Alegre (RS), contará com R$ 1,574 milhão.
O Contas Abertas denunciou há um ano a destinação de recursos para artistas de projeção nacional, que a princípio não necessitariam deste apoio. Entre eles estão duas apresentações com a dupla Bruno e Marrone, no valor total de R$ 603,6 mil. Outros R$ 2,3 milhões foram autorizados para o projeto “Diogo Nogueira Turnê 2015”, que prevê oito shows em cidades brasileiras om o cantor e compositor.
Os projetos são bastante diversificados e, por vezes, polêmicos. No início do ano, por exemplo, o Ministério da Cultura autorizou a cantora Claudia Leitte a captar R$ 356 mil para publicar sua biografia. Depois de pressão nas redes sociais, o projeto foi cancelado pelo proponente.
Em 2015, a Pasta aprovou a captação de R$ 1,5 milhão para que a Elemento Cultural Produções Artísticas LTDA realizasse espetáculo musical inédito baseado na trajetória de vida de Guilherme Aparecido Santos, mais conhecido como MC Guimê. O músico, que nasceu na periferia de Osasco, grande São Paulo, é conhecido pelo chamado “funk ostentação”.
A Lei Rouanet foi criada em 1991, durante o governo Fernando Collor. A legislação permite a captação de recursos para projetos culturais por meio de incentivos fiscais para as empresas e pessoas físicas. A Lei Rouanet permite, por exemplo, que uma empresa privada direcione parte do dinheiro que iria gastar com impostos para financiar propostas aprovadas pelo Ministério da Cultura.
Segundo as investigações da Polícia Federal, um grupo criminoso atuou por quase 20 anos no Ministério da Cultura e conseguiu aprovação de R$ 170 milhões em projetos. O desvio ocorria por meio de diversas fraudes, como superfaturamento, apresentação de notas fiscais relativas a serviços/produtos fictícios, projetos duplicados e contrapartidas ilícitas realizadas às incentivadoras.
A Polícia Federal concluiu que diversos projetos de teatro itinerante voltados para crianças e adolescentes carentes deixaram de ser executados, assim como livros deixaram de ser doados a escolas e bibliotecas públicas.
De acordo com as investigações, os suspeitos usaram o dinheiro público para fazer shows com artistas famosos em festas privadas para grande empresas, livros institucionais e até a festa de casamento de um dos investigados na Praia de Jurerê Internacional, em Florianópolis, Santa Catarina.
124 policiais federais cumprem 51 mandados, dentre os quais 14 de prisão temporária e 37 mandados de busca e apreensão, em sete cidades no estado de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. O inquérito policial foi instaurado em 2014, após a PF receber documentação da Controladoria Geral da União de desvio de recursos relacionados a projetos aprovados com o benefício fiscal.
A Justiça Federal inabilitou algumas pessoas jurídicas para impedí-las de apresentar projetos culturais no MinC e na Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo. Também foi realizado o bloqueio de contas bancárias e o sequestro de bens como imóveis e veículos de luxo.
Entre os alvos da operação, estão o Ministério da Cultura,o escritório Demarest Advogados, a empresas Scania, Roldão, Intermédica Notre Dame, Laboratório Cristalia, KPMG, Lojas 100, Nycomed Produtos Farmacêuticos e Cecil.
Lei Rouanet bancou até casamento
Segundo a Polícia Federal, até um casamento foi bancado com recursos da Lei Rouanet. A festa aconteceu em um beach club na praia de Jurerê Internacional, em Florianópolis, e teve como atração principal um show do cantor sertanejo Leo Rodriguez.
A festa de Felipe Amorim e Caroline Monteiro durou um final de semana inteiro e ocorreu em maio deste ano. Felipe é filho de Antonio Carlos Bellini, dono da Bellini Cultural, cabeça do esquema de fraudes na Lei Rouanet. Antonio Carlos e a sua mulher foram presos em São Paulo. Felipe, que também foi preso, é gerente de marketing do Grupo Bellini Cultural.