sábado, 1 de novembro de 2014

Dilma-2015: agora sem marqueteiro para disfarçar

Laryssa Borges - Veja

A presidente reeleita terá de mudar os rumos da economia, destravar os investimentos e enfrentar desdobramentos do petrolão no Congresso


A presidente Dilma Rousseff toma chimarrão depois da votação do segundo turno, na manhã deste domingo (26), em Porto Alegre
A presidente Dilma Rousseff toma chimarrão depois da votação do segundo turno, na manhã deste domingo (26), em Porto Alegre (Paulo Whitaker/Reuters)
Seja quem for seu escolhido para ditar os rumos da economia brasileira na nova equipe ministerial, é certo que 2015 será um ano duro para a presidente Dilma Rousseff. Reeleita numa eleição acirrada e com estreita margem de votos, Dilma terá pela frente um cenário econômico desalentador, que a obrigará a tomar medidas impopulares e acalmar o mercado financeiro. Paralelamente, a menos que inicie um movimento conciliatório – e ele dê certo – nos próximos dois meses, terá dificuldades na interlocução com o Congresso Nacional, que por si só já estará alvoroçado com as denúncias do petrolão.
"A democracia brasileira vai passar por um teste de estresse, com muita disputa, uma polarização bastante intensa. Tudo conspira para que presidente tenha grandes dificuldades no Congresso, na economia e no atendimento aos anseios da sociedade", afirma o professor Carlos Pereira, da Escola de Administração Pública da FGV.
O ponto mais sensível do futuro governo é a economia. Sob efeito de uma persistente pressão inflacionária – 6,75% nos últimos doze meses e longe do centro da meta de 4,5% – o novo governo terá pela frente o desafio de reverter o baixo crescimento econômico, melhorar a condução da política fiscal para diminuir a dívida pública, estancar a crise de desconfiança dos investidores e passar credibilidade suficiente para evitar que o Brasil perca o grau de investimento recebido em 2008.
“O mais importante problema que vamos enfrentar daqui para frente diz respeito à questão fiscal. Crescimento e a inflação são itens preocupantes, mas se não arrumar a área fiscal, as demais questão passam a não ser eficazes”, diz o doutor em economia Flávio Basílio, da Universidade de Brasília (UnB). “O fiscal também é importante para garantir o grau de investimento da economia brasileira, para auxiliar o Banco Central no combate à inflação e também acaba reduzindo os juros futuros, que é uma variável relevante para a decisão sobre os investimentos do país”, completa.
Ainda no campo econômico, a presidente reeleita terá mais bombas para desarmar: o inevitável reajuste no preço dos combustíveis e o risco de problemas na oferta de energia elétrica em 2015 caso persista a escassez de chuvas. Por temer impactos no desempenho eleitoral da presidente Dilma, o governo postergou para depois do segundo turno o reajuste no preço da gasolina, desidratando o caixa da Petrobras, já que a estatal tem de importar parte do combustível que vende por não produzir nem refinar toda a gasolina exigida pelos consumidores brasileiros. Como os preços do mercado doméstico estão defasados em relação aos do mercado internacional, o prejuízo recaiu sobre o caixa da petroleira.

“Existem dúvidas se ela vai ser capaz de reequilibrar as contas públicas, porque o governo foi negligente com a macroeconômica em todo o primeiro mandato. Não temos crescimento econômico e estamos em recessão técnica. Somado a isso, o escândalo da Petrobras e o depoimento do doleiro Youssef, que mencionou diretamente tanto ela quanto o ex-presidente Lula, pode colocar grande parte do governo em suspeição e fragilizar naturalmente o novo mandato da presidente Dilma", diz Carlos Pereira, da FGV.
No setor elétrico, contribuem para a formação de mais um campo minado o baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas, o aumento da necessidade das térmicas, que têm energia mais cara, e a inescapável dependência das chuvas. No mais, Dilma terá de rever as nomeações políticas – boa parte das indicações na Eletrobras e em subsidiárias são feitas pelo PMDB – e provavelmente substituir o atual ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, enfraquecido após ter sido citado pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa como uma das autoridades que receberam propina do petrolão.
Além do impacto na imagem da Petrobras, a maior empresa pública brasileira, os mais emblemáticos efeitos do esquema de corrupção na estatal deverão começar a ser sentidos no próximo ano e também entram na lista de tempestades a serem administradas pela presidente Dilma Rousseff. Com a esperada homologação da delação premiada do doleiro Alberto Youssef, os nomes de deputados e senadores citados tanto por ele quanto pelo ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa deverão vir a público, comprometendo próceres do PT, PMDB e PP e abrindo espaço para o esfacelamento da base aliada da petista reeleita. A própria Dilma e o antecessor no cargo, Luiz Inácio Lula da Silva, também poderão ter sérios problemas com o Judiciário no desenrolar do caso.

A diferença é que, a partir do próximo ano, as artimanhas do marqueteiro João Santana poderão não ser suficientes.

As tempestades de 2015


Os efeitos do petrolão


As revelações de que políticos receberam propina dos cofres da Petrobras em um esquema que movimentou pelo menos 10 bilhões de reais nos últimos anos devem ser a principal bomba a ser desarmada pela presidente Dilma Rousseff no início do próximo mandato. À medida em que o teor dos depoimentos do ex-diretor Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef se transformarem em processos contra políticos no Supremo Tribunal Federal (STF), o estrago à imagem do governo Dilma quanto à administração de seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, poderá ser inevitável. Para piorar, ao contrário de 2005, quando estourou o escândalo do mensalão mas a economia crescia, o cenário econômico de 2014 é desalentador.

O aparelhamento da Petrobras


Maior empresa brasileira, com valor de mercado de 116 bilhões de dólares, a Petrobras está no centro do maior escândalo de corrupção de que se tem notícia. O aparelhamento da Petrobras com apadrinhados de siglas governistas é apontado como um dos gargalos a ser administrado pela presidente Dilma. Atualmente, entre a cúpula da estatal escolhida por parlamentares estão Sérgio Machado, presidente da Transpetro e indicação pessoal do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), e José Andrade Lima Neto, presidente da BR Distribuidora e indicação do senador Fernando Collor e do ministro de Minas e Energia Edison Lobão. Sob efeito eleitoral, a Petrobras ainda amargou prejuízos em 2014 por conta do adiamento do reajuste nos preços da gasolina, nó que agora precisará ser desatado pelo governo.

O nebuloso cenário econômico


O baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e a crise generalizada de desconfiança em relação ao Brasil fazem do cenário econômico a principal pedra no sapato da presidente reeleita Dilma Rousseff, que teve os primeiros quatro anos de sua gestão com o terceiro menor crescimento do PIB desde 1889. Depois de confirmar a substituição do ministro da Fazenda Guido Mantega, a petista precisará reverter a degradação fiscal, baixar a dívida pública e manter a taxa de desemprego sob controle. Para completar o cenário econômico obscuro, em 2014 o governo vai descumprir pelo terceiro ano seguido a promessa de meta fiscal – até agosto a economia para pagar juros da dívida chegou a míseros 0,3% do PIB ante uma meta inicial de 1,9%.

Os desafios do setor elétrico


O encarecimento da eletricidade paga pelo setor industrial e a perspectiva de aumento nas contas de luz fazem do setor elétrico um exemplo cabal do desajuste do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. O baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas e o intervencionismo extremo do governo federal no setor, a partir de 2012, completam a lista de problemas a serem administrado pela presidente, que também precisará colocar sobre a mesa o planejamento para licitar as áreas onde hoje atuam três das maiores companhias elétricas, a Cemig, a Copel e a Cesp e cujas concessões começam a vencer em 2015. De quebra, Dilma ainda precisa reduzir a influência política do PMDB, partido que desde o início do governo Lula indica os principais cargos políticos do setor, e substituir o ministro de Minas e Energia Edison Lobão, desgastado após ser citado como beneficiário de propina no esquema do petróleo.

Um rebelde na Presidência da Câmara


O peemedebista Eduardo Cunha, deputado que tirou o sono da presidente Dilma Rousseff nos quatro anos de governo e é apontado como eterna pedra no sapato da petista, deve ser confirmado como futuro presidente da Câmara dos Deputados a partir de 2015 em substituição a Henrique Eduardo Alves. Conhecido por conseguir arregimentar aliados insatisfeitos e impor derrotas ao governo, Cunha deve endurecer no próximo ano ainda mais o instável canal de interlocução entre o Palácio do Planalto e os parlamentares, impondo exigências ao governo a cada votação controversa. Cabe ao presidente da Câmara definir a pauta de votações dos deputados – e Eduardo Cunha tem experiência de sobra em pressionar o governo para ver seus interesses atendidos. Ele transita com facilidade por empresas de telecomunicações, mineradoras e fundos de pensão.

A força da nova oposição


As eleições de outubro deram aos partidos de oposição força política para combater de forma programática o governo reeleito de Dilma Rousseff. Com um ativo de 51 milhões de votos, o tucano Aécio Neves se coloca como novo líder oposicionista e deve comandar estratégias de enfrentamento da administração federal ao lado de uma nova composição do Senado, fortalecido com a eleição de nomes como José Serra, Tasso Jereissati, Ronaldo Caiado e Antonio Anastasia. As dificuldades de uma interlocução efetiva com o Congresso – a presidente Dilma não costuma tratar diretamente com congressistas e os ministros de Relações Institucionais não raro são alijados autonomia para negociar – devem ser ampliadas no próximo ano também com a perspectiva de uma bancada próxima a 155 deputados oposicionistas, além dos costumeiros congressistas insatisfeitos e infiéis às ordens do Planalto.

O PP no Ministério das Cidades


O Ministério das Cidades, controlado pelo Partido Progressista (PP) desde o governo Lula, é uma das pastas mais cobiçadas pelos aliados da presidente reeleita Dilma Rousseff por centralizar projetos bilionários de saneamento, habitação e mobilidade urbana. Apenas em 2015, por exemplo, o governo estima gastar pelo menos 19 bilhões de reais com o programa Minha Casa, Minha Vida, de responsabilidade da pasta. Mas os pepistas, que já foram “faxinados” das Cidades depois de sucessivos escândalos de corrupção envolvendo o então ministro Mario Negromonte, estão novamente na berlinda por terem sido apontados como o partido de origem do esquema do petrolão. Parlamentares do PP foram citados como beneficiários da propina distribuída no bilionário esquema de corrupção na Petrobras e, com a expectativa de desgaste da sigla quando os nomes forem revelados, é possível que o partido seja banido da pasta.