LEANDRO LOYOLA, DE MAJOR ISIDORO (AL) E MACEIÓ - Epoca
À frente nas pesquisas para o governo do Estado, a família Calheiros pode se igualar à tradição dos Sarneys
Dezenas de motos com bandeiras vermelhas passam para lá e para cá, aceleram forte e buzinam para chamar a atenção de quem está nas ruas. Não que seja difícil. É preciso pouco para alterar a rotina dos 19 mil habitantes de Major Isidoro, no sertão de Alagoas, no começo da noite fresca. Quem não está na porta de casa para ver o movimento caminha em direção ao Alto do Cruzeiro, uma colina no final de uma rua de terra, esburacada, com veios de esgoto e barro. Em duas horas, cerca de 2 mil pessoas estão reunidas ali. Ouvem e dançam ao som de um irritante jingle de campanha. Rojões estouram. Moças que recebem R$ 1.300 mensais, contratadas para quatro meses de trabalho, distribuem adesivos com os rostos dos candidatos. Um homem vestido como se fosse um bobo da corte toca uma buzina. Empolgado, um bêbado sobe num carro, dança e pula sobre o capô, até deixá-lo todo amassado. O carro de som que catalisa a festa começa então a andar em direção à cidade, e puxa a multidão. Logo à frente, um utilitário esportivo despeja na multidão os convidados da festa. O deputado federal Renan Filho, candidato do PMDB ao governo deAlagoas, e o senador Fernando Collor, candidato do PTB a mais oito anos no Senado, se jogam na massa, como se todos seguissem um trio elétrico no Carnaval de Salvador.
Sisudo e sério em ternos nos corredores do Senado, um Collor em mangas de camisa e calça jeans sustenta o sorriso ao pisar com seus sapatos de couro no barro e nos veios de esgoto da rua de terra onde busca votos para se sustentar em Brasília. Renan Filho abraça a todos, pula e festeja. Eles caminham com a multidão por cerca de 20 minutos até a Praça da Juventude, onde deixam o aperto da rua para ficar mais à vontade no palco. “Minha gente amada de Major Isidoro. Como é bom estar com vocês!”, diz Collor. As quatro barraquinhas ao redor vendem água, refrigerante e comida. Alguns espectadores preferem a própria garrafa de cachaça, no gargalo. Collor deixa o espaço para o homem da noite, Renan Filho. “Sei o que é andar nas ruas e arrastar as pessoas”, diz Renan Filho. “Se eleito, vou fazer valer o carinho que recebo, para que o sertão tenha carinho.”
Sisudo e sério em ternos nos corredores do Senado, um Collor em mangas de camisa e calça jeans sustenta o sorriso ao pisar com seus sapatos de couro no barro e nos veios de esgoto da rua de terra onde busca votos para se sustentar em Brasília. Renan Filho abraça a todos, pula e festeja. Eles caminham com a multidão por cerca de 20 minutos até a Praça da Juventude, onde deixam o aperto da rua para ficar mais à vontade no palco. “Minha gente amada de Major Isidoro. Como é bom estar com vocês!”, diz Collor. As quatro barraquinhas ao redor vendem água, refrigerante e comida. Alguns espectadores preferem a própria garrafa de cachaça, no gargalo. Collor deixa o espaço para o homem da noite, Renan Filho. “Sei o que é andar nas ruas e arrastar as pessoas”, diz Renan Filho. “Se eleito, vou fazer valer o carinho que recebo, para que o sertão tenha carinho.”
O poder de arrastar gente de José Renan Vasconcelos Calheiros Filho, de 34 anos, casado, dois filhos, sócio em três emissoras de rádio, deriva da força de ser filho do senador Renan Calheiros (PMDB), presidente do Senado, um dos políticos mais influentes da República e o mais poderoso de Alagoas. Renan Filho lidera a pesquisa mais recente com 43% das intenções de voto, contra 26% do senador Benedito de Lira (PP). Se eleito, comandará o segundo menor Estado da Federação, com um lindo litoral – e detentor de marcas tristes, como o mais alto índice de assassinatos, o pior ensino público do país, o segundo pior indicador de pobreza e finanças públicas frágeis. Se eleito, Renan Filho elevará os Calheiros ao mesmo status dos Sarneys. Entre 1995 e 1997 e entre 2009 e 2012, José Sarneypresidiu o Senado, enquanto sua filha Roseana governava para a família um Maranhão tão sofrido, pobre e atrasado quanto Alagoas. Os Calheiros poderão reeditar essa história em 2015, com Renan pai na presidência do Senado, e Renan Filho em Alagoas. “As pessoas querem comparar com a família Sarney, mas é diferente. Sarney já tinha governado o Maranhão (antes de Roseana). Nunca governamos Alagoas”, diz Renan Filho. “Se eleito, serei o primeiro de nós a governar Alagoas. As pessoas falam em transferência de poder, mas não é o caso aqui.”
Os financiadores de campanhas sabem que, na essência, é a mesma coisa. Como os Sarneys no Maranhão, em 2015 os Calheiros terão o controle da engrenagem que produz dinheiro público em Brasília e gasta em Alagoas. Até a última prestação de contas à Justiça Eleitoral, a campanha de Renan Filho arrecadara R$ 7,5 milhões – o dobro do concorrente Benedito de Lira. As empreiteiras OAS, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e UTC, além da Cosan, contribuíram com cerca de R$ 3,5 milhões. O potencial de investimento do Estado é fraco. “Não sobra nada depois de pagar as contas, os repasses e a dívida com a União”, diz o governador Teotônio Villela Filho (PSDB), em seu gabinete no Palácio República dos Palmares, no centro de Maceió. A única grande obra no Estado é a construção do Canal do Sertão, em parceria com o governo federal. Ela recebeu R$ 40 milhões do caixa alagoano neste ano. Das empresas contribuintes de Renan Filho, Queiroz Galvão (R$ 500 mil) e OAS (R$ 16 milhões) receberam recursos dela.
No dia 4 de janeiro passado, Teo, como Teotônio é conhecido, telefonou a seu vice, José Thomaz Nonô. “Vou anunciar que fico (no governo). O que você acha?”, disse Téo. “Com essa decisão, você me mata politicamente e se suicida”, disse Nonô. Em condições normais, Teo seria candidato ao Senado, e Nonô, ao governo. As decisões de Teo abriram caminho para Renan formar, em torno do filho, a maior coligação em uma eleição no Estado – 11 partidos, entre eles PMDB e PT. Renan atraiu um antigo desafeto, o ex-governador Ronaldo Lessa. Acertou-se com Fernando Collor, com quem não se dava bem havia anos.
No dia 4 de janeiro passado, Teo, como Teotônio é conhecido, telefonou a seu vice, José Thomaz Nonô. “Vou anunciar que fico (no governo). O que você acha?”, disse Téo. “Com essa decisão, você me mata politicamente e se suicida”, disse Nonô. Em condições normais, Teo seria candidato ao Senado, e Nonô, ao governo. As decisões de Teo abriram caminho para Renan formar, em torno do filho, a maior coligação em uma eleição no Estado – 11 partidos, entre eles PMDB e PT. Renan atraiu um antigo desafeto, o ex-governador Ronaldo Lessa. Acertou-se com Fernando Collor, com quem não se dava bem havia anos.
>> Ruth de Aquino: O Quinto Mundo do clã Calheiros
No dia 5 de maio, Renan aproveitou o anúncio da candidatura do filho para um gesto de impacto. “Decidimos que não haverá coligação com o PRTB, nem como PMN”, disse. “Foi uma depuração da frente de oposição.” Por que os dois foram barrados? O PRTB tem em seus quadros candidatos conhecidos como João Beltrão (acusado de envolvimento em dois assassinatos), Antonio Albuquerque (acusado de envolvimento num assassinato) e Cícero Ferro (acusado de envolvimento em dois assassinatos). O PMN tem o deputado federal e candidato a estadual Francisco Tenório, acusado de envolvimento em três assassinatos, ex-presidiário e indiciado pela Polícia Federal como um dos participantes do desvio de R$ 300 milhões da Assembleia Legislativa do Estado.
No dia 5 de maio, Renan aproveitou o anúncio da candidatura do filho para um gesto de impacto. “Decidimos que não haverá coligação com o PRTB, nem como PMN”, disse. “Foi uma depuração da frente de oposição.” Por que os dois foram barrados? O PRTB tem em seus quadros candidatos conhecidos como João Beltrão (acusado de envolvimento em dois assassinatos), Antonio Albuquerque (acusado de envolvimento num assassinato) e Cícero Ferro (acusado de envolvimento em dois assassinatos). O PMN tem o deputado federal e candidato a estadual Francisco Tenório, acusado de envolvimento em três assassinatos, ex-presidiário e indiciado pela Polícia Federal como um dos participantes do desvio de R$ 300 milhões da Assembleia Legislativa do Estado.
Todos são acusados de usar os serviços da Gangue Fardada – segundo a Justiça, um grupo de extermínio de mais de 30 policiais desbaratado no final da década de 1990. Apesar do repúdio público, PRTB e PMN ajudaram os Calheiros na coligação, e seus candidatos não atacam Renan Filho. Há duas semanas, um vereador foi assassinado no interior do Estado, em circunstâncias que lembram os velhos assassinatos políticos. Nem Renan Filho, nem Benedito de Lira tocaram no assunto.
Com mais dinheiro, preparo e estrutura à disposição, Renan Filho não teve grandes percalços na campanha até agora. Seu único contratempo foi uma entrevista com Ana Barbosa Melo, exibida no horário eleitoral do adversário Benedito de Lira. Ana é viúva do contador Mário Jorge Jacinto da Silva. Na madrugada de 31 de dezembro de 2004, Mário morreu numa batida de frente entre seu carro e a caminhonete em que estava Renan Filho. A Polícia Rodoviária Federal registrou no boletim de ocorrência que Renan Filho dirigia a caminhonete. Quinze dias depois, o motorista Alberto de Arimatéia foi à delegacia e disse que estava ao volante da caminhonete na ocasião. O boletim de ocorrência foi alterado. Renan Filho afirmou que processará Benedito de Lira.
Renan Filho não é daqueles que gostavam de palanques e política na rua desde garoto. “Lembro-me vagamente de pedir votos para o meu pai na campanha de 1994”, disse a ÉPOCA, na única conversa rápida que sua assessoria permitiu. Estudou parte do tempo em Maceió, parte em Brasília, por causa da carreira do pai. Formou-se em economia na Universidade de Brasília em 2003. Dez meses depois, estava eleito prefeito de Murici, o berço dos Calheiros. “Sempre vivi a cidade. Sempre que vinha a Alagoas, ia para lá, não para a praia”, diz. Cumpriu dois mandatos e, em 2012, passou o cetro ao tio, Remi Calheiros. Os Calheiros são poderosos em Murici e em Brasília, mas não são exatamente populares em Alagoas. Por isso, como outros herdeiros de políticos, Renan Filho evita associar sua imagem à do pai. Não usa seu sobrenome. Não fala nele.
No palanque em Major Isidoro, Renan Filho encerrou seu discurso com um pedido. “Meus amigos e minhas amigas, acabou de sair daqui o senador Fernando Collor. Collor ajudou muito Alagoas. Quero o Collor para, ao lado do senador Renan Calheiros, trazer recursos de Brasília”, disse. Foi a única menção ao pai em três dias. Renan Filho usa a mesma prática de seu colega de partido e candidato ao governo do Pará, Hélder Barbalho. Como Renan Filho, Hélder tem pouco mais de 30 anos, foi prefeito, fala bem e tem um pai senador e ex-presidente do Senado – Jáder Barbalho. Ambos tentam continuar a tradição familiar na política com filhos de homens que já tiveram muitos votos, a Presidência do Senado e o nome associado a escândalos. É preciso livrar-se desse ônus, sem abdicar das benesses. Foi o jovem e ambicioso Tancredi, o responsável por ensinar ao tio Don Fabrizio Salina, o velho Leopardo do romance de Giuseppe de Lampedusa, quem afirmou que “as coisas precisam mudar para poder continuar as mesmas”.
Renan Filho não é daqueles que gostavam de palanques e política na rua desde garoto. “Lembro-me vagamente de pedir votos para o meu pai na campanha de 1994”, disse a ÉPOCA, na única conversa rápida que sua assessoria permitiu. Estudou parte do tempo em Maceió, parte em Brasília, por causa da carreira do pai. Formou-se em economia na Universidade de Brasília em 2003. Dez meses depois, estava eleito prefeito de Murici, o berço dos Calheiros. “Sempre vivi a cidade. Sempre que vinha a Alagoas, ia para lá, não para a praia”, diz. Cumpriu dois mandatos e, em 2012, passou o cetro ao tio, Remi Calheiros. Os Calheiros são poderosos em Murici e em Brasília, mas não são exatamente populares em Alagoas. Por isso, como outros herdeiros de políticos, Renan Filho evita associar sua imagem à do pai. Não usa seu sobrenome. Não fala nele.
No palanque em Major Isidoro, Renan Filho encerrou seu discurso com um pedido. “Meus amigos e minhas amigas, acabou de sair daqui o senador Fernando Collor. Collor ajudou muito Alagoas. Quero o Collor para, ao lado do senador Renan Calheiros, trazer recursos de Brasília”, disse. Foi a única menção ao pai em três dias. Renan Filho usa a mesma prática de seu colega de partido e candidato ao governo do Pará, Hélder Barbalho. Como Renan Filho, Hélder tem pouco mais de 30 anos, foi prefeito, fala bem e tem um pai senador e ex-presidente do Senado – Jáder Barbalho. Ambos tentam continuar a tradição familiar na política com filhos de homens que já tiveram muitos votos, a Presidência do Senado e o nome associado a escândalos. É preciso livrar-se desse ônus, sem abdicar das benesses. Foi o jovem e ambicioso Tancredi, o responsável por ensinar ao tio Don Fabrizio Salina, o velho Leopardo do romance de Giuseppe de Lampedusa, quem afirmou que “as coisas precisam mudar para poder continuar as mesmas”.