Interceptações telefônicas feitas pela Polícia Federal revelam que, como presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL) procurou o empresário Joesley Batista para discutir uma nomeação para o Ministério da Agricultura, pasta de alto interesse para os negócios da JBS.
As ligações, às quais a Folha teve acesso, mostram pela primeira vez a voz do senador em conversas com a cúpula do conglomerado de alimentação, indicando uma relação de intimidade entre Renan e os dirigentes da gigante das carnes.
Os áudios são de 2014. Em 2017, Joesley, seu irmão, Wesley, e outros cinco executivos afirmaram ter pagado milhões a deputados e senadores em eleições em troca de vantagens para a empresa.
Renan, que pretende disputar a presidência do Senado em eleição nesta sexta-feira (1º), está entre os delatados.
Segundo os colaboradores, ele recebeu R$ 9,9 milhões de caixa 2, dinheiro eleitoral não declarado à Justiça Eleitoral.
A Folha teve acesso a 18 áudios. O alvo da interceptação era Ricardo Saud, diretor de relações institucionais da JBS e quem fazia a intermediação da empresa com o Congresso.
Em um dos telefonemas, Renan e Joesley comemoram juntos a vitória de Dilma Rousseff (PT) na eleição de 2014 momentos após a divulgação do resultado oficial.
A vitória apertada da petista sobre Aécio Neves, candidato do PSDB no segundo turno, foi noticiada após as 20h do dia 26 de outubro de 2014 (na Folha, às 20h07). A ligação entre o senador e o empresário foi feita às 20h08m38s.
O emedebista é quem dá “parabéns” primeiro a Joesley, que retribui. "Como dizem, foi sofrido mas valeu", diz Renan. “Foi sofrido, mas ganhamos, hein, presidente?”, completa Joesley, entre “parabéns”, de um a outro.
No mesmo telefonema, Joesley e Renan ficam de se encontrar para “pensar os próximos passos”. Dois dias depois, um jantar foi marcado na casa de Renan e realizado uma semana depois, em 5 de novembro.
Em outro episódio, no dia 12 de dezembro de 2014, o então presidente do Senado procura Joesley, em meio a um debate sobre quem seria o titular da Agricultura no novo governo Dilma.
A petista já tinha escolhido Kátia Abreu, que não era o nome preferido do empresário. Em uma ligação na noite daquele dia, Renan pede a Saud um encontro com Joesley.
"Deixa eu te dizer uma coisa, era importante a gente bater um papo com o Joesley", diz o senador. "Para a gente conversar um pouco sobre essa questão aí da Agricultura", reforça Renan.
Minutos depois, Saud retorna para confirmar a reunião e o senador então afirma: “Tem um cenário que estou construindo, de levar o Vinicius [Lages], que é ministro do Turismo, para ser o secretário executivo [do Ministério da Agricultura]. Então, acho que era importante a gente conversar um pouco sobre algumas estratégias”.
Vinicius Lage foi chefe de gabinete de Renan e indicado por ele para ser ministro do Turismo no primeiro governo Dilma. Ele acabou sendo confirmado para continuar na mesma função no segundo governo da petista.
Ao final da conversa gravada pela PF, um jantar fica marcado para a segunda-feira seguinte, em Brasília, e Saud ainda acrescenta ao senador: "Eu levo o vinho".
No mesmo diálogo, Renan lembra que haveria, dias depois, uma posse na CNA (Confederação Nacional da Agricultura). No dia 16 de dezembro, quatro dias após a conversa entre o senador e Saud, Kátia Abreu tomou posse como presidente da entidade.
O senador foi delatado pela JBS sob acusação de caixa 2 de R$ 9 milhões em 2014. Os delatores afirmaram ainda ao Ministério Público que houve pagamento de R$ 46 milhões a senadores do MDB a pedido do PT.
Hoje ministro do TCU (Tribunal de Contas da União), Vital do Rego, aliado de Renan, aparece em ligações com relação bastante próxima também de Saud, por quem é chamado de Vitalzinho.
Saud fala sobre a relação com Renan Calheiros e como as coisas estão andando em outras ligações. De maneira cifrada, por exemplo, ele confirma com Joesley o primeiro jantar após a eleição de Dilma.
Saud pergunta se Joesley entendeu os “valores” que ele havia mandado. O empresário primeiro fica mudo, e depois responde: “é 500 com 1 e 500” e “entendi, mas não entendi”, cortando a conversa para se encontrarem possivelmente pessoalmente.
Logo após esse jantar com Renan, Saud faz uma ligação para uma pessoa não identificada e fala sobre negócios e indicações.
Eles conversam por cerca de quatro minutos. O homem diz que “as coisas andaram bem, Renanzinho está satisfeito com o modelo” e que “ele está satisfeito com o negócio, da forma que vai andar”. Ele pergunta: “O jantar com J foi bem, né?”. Saud responde: “[Foi] excelente, falou desse negócio, abriu mais umas perspectivas boas para você”.
Procurado pela Folha, Renan Calheiros não se manifestou até a conclusão desta reportagem.
Procurada pela Folha, a defesa de Joesley e Saud afirmou, por meio da assessoria, que "os assuntos referentes às doações eleitorais ou qualquer ato ilícito foram exaustivamente tratados e esclarecidos em acordo de colaboração firmado em 2017".
"Na medida em que investigações avançam, comprova-se a efetividade desse acordo de colaboração. Vale pontuar ainda que nunca houve interferência do senador Renan Calheiros em favor da empresa junto ao Ministério da Agricultura, mas sim do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB), conforme descrito em anexo", disse.
OS ÁUDIOS DE RENAN CALHEIROS
- Interceptações da Polícia Federal de 2014 revelam intimidade entre Renan Calheiros e Joesley Batista, dono da JBS
- O alvo da PF era Ricardo Saud, ex-diretor de relações institucionais da JBS
- Joesley, Saud e mais cinco executivos se tornaram delatores em 2017
- Eles afirmaram ter feito pagamentos de mais de R$ 40 milhões para o MDB do Senado a pedido do PT
- Renan é acusado de ter recebido em seu nome R$ 9,9 milhões
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