Mais de uma vez, neste espaço, manifestamos nossa integral repulsa não à velha política, mas à velhacaria política. Há poucos dias, por exemplo, repudiamos as artimanhas do senador Renan Calheiros (MDB-AL) para alcançar mais uma vez a presidência do Senado, um exemplo bem acabado de tudo o que foi rejeitado pelos brasileiros nas eleições do ano passado. Graças à capacidade do político alagoano de superar seus próprios limites de caradurismo, contudo, é necessário retornar a esse desagradável assunto. Pois agora Renan Calheiros mandou avisar, pasme o leitor, que será “um novo Renan”.
Em entrevista ao Valor, Renan Calheiros disse que, se for eleito presidente do Senado, no pleito previsto para amanhã, será um político completamente diferente do atual. “Você conhecia o velho Renan. O novo chega sexta-feira, e vai discordar do outro em muita coisa”, disse o senador. Segundo ele, o “outro” Renan “era mais estatizante”; já o “novo” será “um Renan liberal, que vai ajudar a fazer as reformas”.
Assim, o “novo Renan” continua a ser o mesmo Renan de sempre: um político que esteve com todos os governos desde que chegou ao Congresso. É preciso lembrar que, logo depois da eleição em que apoiou entusiasticamente o PT, Renan declarou que “você não pode se colocar indefinidamente num campo político” e que “dá para fazer muita coisa sem rótulos”.
Agora, para ser reconduzido à presidência do Senado pela quarta vez, Renan oferece ao governo do presidente Jair Bolsonaro um pacote completo. Promete, por exemplo, apoio entusiasmado à reforma da Previdência, aquela mesma que, há bem pouco tempo, ele dizia que iria “punir o trabalhador e o Nordeste”. Agora, o “novo Renan” afirma que a proposta “tem que passar”, pois “precisamos da reforma”.
Além disso, o senador ofereceu-se para defender Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro e senador eleito. Questionado sobre se Flávio corre o risco de ser levado ao Conselho de Ética do Senado e perder o mandato, em razão do escândalo das movimentações financeiras suspeitas quando era deputado estadual no Rio de Janeiro, Renan foi enfático: “Não, rapaz. O Conselho é um foro excepcionalíssimo. Não é para isso”.
O nascimento do “novo Renan” ocorreu no mesmo momento em que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux negou pedido para barrar da disputa à presidência do Senado parlamentares que sejam réus ou que tenham sido indiciados em inquéritos que correm no Supremo. E o “velho Renan” tem uma penca de processos nas costas, com potencial para torná-lo réu no exercício do mandato de presidente do Senado - e, portanto, na linha sucessória do presidente da República.
Em 2016, como tristemente se recorda, uma decisão monocrática do ministro do STF Marco Aurélio Mello ordenou que Renan fosse retirado da presidência do Senado porque ele havia se tornado réu - e, conforme o esdrúxulo entendimento do ministro, réus não podem ocupar a Presidência da República. A decisão, uma escancarada intromissão do Judiciário no Congresso, foi derrubada pouco depois, e agora o ministro Luiz Fux reafirmou o entendimento de que não cabe ao Supremo interferir na escolha do presidente do Senado.
Sem esse inconveniente pelo caminho, Renan esbanja entusiasmo em sua busca por mais um mandato no comando do Senado - justamente num momento crucial para o novo governo e para o País. Mais uma vez, o Brasil corre o risco de ver as pautas de maior interesse nacional à mercê dos interesses pessoais do “velho Renan” - que para o senador, seja lá qual fantasia vista, sempre prevalecem.
O “novo Renan”, contudo, não quer perder inteiramente o contato com o “velho Renan”. Afinal, nunca se sabe quando será necessário voltar às origens. Assim, por exemplo, o senador não descarta manter sua proximidade com o ex-presidente e hoje presidiário Lula da Silva - a quem defendeu com fervor durante a campanha eleitoral no ano passado. “O velho Renan vai sair de cena”, explicou o senador, “mas ele tem uma história, que não pode ser apagada.” Não mesmo.