A mineradora Vale tende a cancelar definitivamente os pagamentos de dividendos a acionistas em 2019 e deve retomar com a remuneração somente a partir do ano que vem. Não por falta de caixa, mas por causa da adoção de uma estratégia financeira mais cautelosa após o rompimento da barragem em Brumadinho (MG). Para analistas ouvidos pelo Broadcast, o mesmo vale para a remuneração variável dos executivos da empresa. A previsão de analistas é de que a mineradora pagasse cerca de US$ 6 bilhões neste ano.
Em reunião extraordinária realizada no último domingo ,27, o Conselho de Administração da Vale decidiu mudar o sistema de remuneração e incentivos e, em fato relevante divulgado na segunda-feira, 28, informou ao mercado a decisão de suspender o pagamento de remuneração variável aos executivos, além da Política de Remuneração aos Acionistas "e, consequentemente, o não pagamento de dividendos e juros sobre o capital próprio (JCP), bem como qualquer outra deliberação sobre recompra de ações de sua própria emissão".
O estrategista-chefe da Eleven Financial Research, Adeodato Netto, explica que a remuneração ao acionista deve ser feita quando a companhia tem uma realidade confortável em sua estrutura de capital, dinâmica de negócios favorável e o risco de novos passivos está mitigado. "No caso da Vale, este não é o momento de ser arrojado, o ideal é ser diligente", afirma.
Nos cálculos preliminares da Eleven, a tragédia de Brumadinho deve acarretar um impacto direto em torno de R$ 4,7 bilhões sobre o caixa da mineradora, em 2019, sendo R$ 3,8 bilhões em indenizações e adequações ligadas às consequências do acidente, e outro montante adicional entre R$ 700 milhões e R$ 900 milhões em capex destinados a prevenção e melhorias de outras barragens. Ainda assim, Netto acredita que a Vale teria caixa disponível para pagar dividendos, porém, esta não seria a medida mais assertiva a ser tomada. Em 30 de setembro de 2018, a empresa mantinha caixa de US$ 6,1 bilhões - equivalente a R$ 21,88 bilhões no câmbio de hoje.
Antes do acidente em Brumadinho (MG), o Itaú BBA projetava que a Vale faria US$ 6 bilhões em pagamentos de dividendos neste ano, sendo US$ 4,5 bilhões em dividendos mínimos (30% do Ebitda-capex manutenção) e US$ 1,5 bilhão em extraordinários. Agora, a instituição financeira zerou a estimativa para 2019 e acredita que US$ 8,56 bilhões serão pagos em 2020, conforme relatório assinado pelos analistas Marcos Assumpção, Daniel Sasson e Carlos Eduardo Schmidt. Para 2021, a perspectiva de remuneração aos acionistas cai para US$ 3,15 bilhões; seguida por US$ 2,73 bilhões em 2022; e US$ 2,80 bilhões em 2023.
Na mesma linha, o Santander também zerou a projeção para dividendos em 2019, que antes estava em US$ 6,2 bilhões - incluindo os valores mínimos e os extraordinários, de acordo com relatório assinado pelos analistas Gustavo Allevato e Ricardo Monegaglia. Para o ano que vem, ainda não há uma expectativa definida, mas sabe-se que será abaixo dos US$ 6,2 bilhões pois a projeção, até o momento, indica de que será paga apenas a remuneração mínima aos acionistas. Ao Broadcast, uma fonte confirma que a revisão de 2019 não foi pautada na ausência de caixa para pagamento, mas sim por uma decisão estratégica e relacionada, inclusive, com a imagem da Vale em meio à crise.
No ano passado, a Vale havia definido uma estratégia agressiva para a remuneração aos acionistas. O pagamento seria composto por duas parcelas semestrais, a primeira em setembro do ano corrente e a segunda em março do ano subsequente. O valor da remuneração seria de 30% do Ebitda ajustado menos Investimento Corrente apurados na demonstração do resultado do primeiro semestre, para a parcela de setembro, e na demonstração do resultado do segundo semestre, para a parcela de março. À época, o presidente da mineradora, Fabio Schvartsman, chegou a declarar que a empresa não carregaria caixa e, caso ele subisse além do esperado, seriam destinados ao mais recursos para o pagamento de dividendos ou para a recompra de ações.
Nayara Figueiredo, O Estado de S.Paulo