CHICAGO
"Keep warm". A saudação do momento em Chicago —algo como "mantenha-se aquecido”— foi adotada nesta semana diante da iminência da maior onda de frio registrada nos últimos 34 anos.
O frio glacial é causado por por um fenômeno chamado vórtex polar, em que ciclones de baixa pressão formados no Pólo Norte se expandem para o sul, atingindo o Canadá e partes dos Estados Unidos.
Nesta quarta, o vórtex polar submeteu a terceira maior cidade dos EUA a -29°C, com sensação térmica de -44°C. E eu, que até agora tinha experimentado um inverno considerado “light” para os padrões locais, descobri porque a cidade já foi chamada de “Chibéria”.
Faz sentido. Com a chegada do vórtex polar, na madrugada desta quarta, a cidade se submeteu a um frio mais brutal que o de partes da Sibéria (0°C), da Antártida (-21°C), do Alasca (-24°C) ou mesmo de Marte, onde a temperatura máxima desta quarta era -7°C.
A cidade amanheceu irreconhecivelmente vazia. Escolas e universidades suspenderam as aulas. Os trilhos de trens e metrô tiveram de ser incendiados para que descongelassem e os vagões pudessem passar. E, no rio Chicago, flutuavam placas de gelo. Milhares de voos foram cancelados. Museus e lojas fecharam as portas. E os correios interromperam as atividades para proteger os funcionários das ruas congelantes.
Pouca gente se arriscou a sair neste gelo, em que uma pessoa desagasalhada pode ter partes do corpo congeladas em cinco minutos. E a exposição extensa ou inadequada ao rio glacial pode ser fatal. Recomenda-se o uso de roupas de esqui. É questão de sobrevivência.
Mesmo sem elas, resolvi fazer um teste. Vesti a mesma trabalhosa indumentária que me permite circular pelas ruas, sem pressa ou desespero, mesmo a -15°C: duas calças, blusa térmica, malha de lã e moletom, casaco longo, cachecol, luvas térmicas, meias térmicas, bota de neve forrada e um gorro de pele russo que herdei da minha avó.
Na porta do edifício, vizinhos faziam uma brincadeira típica dos dias polares: um copo de água quente, lançado no ar gelado, se transforma numa nuvem de neve instantaneamente. É bonito de ver, mas provoca risos nervosos.
Tomei coragem e saí caminhando pela rua. Até que não é tão mais frio assim, pensei. Mas bastaram dois minutos para que minhas mãos (mesmo com as luvas) e meus joelhos (mesmo com duas calças) ficassem dormentes. Olhos e maçãs do rosto, as únicas partes do meu rosto descobertas, pareciam queimar. O celular apagou --as baterias de lítio não aguentam temperaturas negativas extremas.
Dei meia volta e me resignei ao fato de que as próximas 40 horas serão da porta para dentro. Em casa, onde é quentinho e seco, as janelas de vidro duplo não conseguiram barrar o vórtex polar, que entrou por frestas invisíveis formando uma fina camada de cristais de gelo no batente.
Fernanda Mena, Folha de São Paulo