RUDOLFO LAGO, IstoE
Em conversa por telefone com ISTOÉ, a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, disse estar sendo vítima de uma ação que tenta desmoralizar sua atuação por interesses políticos. “Querem me atacar não por minha condição religiosa, mas por questões ideológicas”, disse ela. Segundo a ministra, há questões que hoje estão sob sua atribuição em que eventuais mudanças poderão contrariar grupos que ao longo dos anos têm se beneficiado. É o caso das indenizações de pessoas que alegam ter sofrido perseguição e prejuízos na ditadura militar. “Estou mexendo em certas caixinhas aqui no Ministério. E isso evidentemente faz com que surjam inimigos”, comenta.
Declarações ditas anteriormente à sua nomeação como ministra, em cultos religiosos, têm sido, segundo ela, retiradas de contexto. “Há uma tentativa de me folclorizar. Estão criando a imagem da ministra maluca que não condiz com a realidade”, reclama. “Isso já não afeta mais somente a mim. Estão mexendo com a imagem do ministério”, protesta. Segundo ela, uma pessoa, a partir da campanha que está sofrendo, pode se sentir desestimulada a, por exemplo, fazer uma denúncia de violência contra mulher por considerar que o ministério não é sério. “Isso é grave e pode ter graves consequências”. A ministra sente que, nesse processo, envolvam a indígena Kayutiti Lulu Kamayurá para atingi-la.
No episódio do convívio com a Kayutiti Lulu Kamayurá, Damares contesta a versão que foi dada pela avó da moça, que hoje tem vinte anos. Segundo a avó, Damares teria levado Lulu da aldeia aos seis anos para fazer um tratamento dentário e, depois, não mais a devolveu. Na verdade, quem foi à aldeia, para participar de um Kuarup, festa típica dos índios da região do Xingu, foi Márcia Suzuki, uma das fundadoras, junto com Damares, da ONG Atini – Voz pela Vida, que atua contra práticas de infanticídio que existem em algumas culturas indígenas. Apesar do sobrenome oriental, Márcia é negra. Ela é casada com um homem de origem nipônica e hoje vive nos Estados Unidos.
Segundo Márcia, Lulu é filha de uma mãe solteira. E, por essa razão, era desprezada por familiares na tribo. Quando bebê, teria havido, segundo relatos de pessoas da aldeia, uma tentativa de enterrá-la viva. Lula teria sido, então, salva por uma enfermeira que a levou da aldeia em que vivia para outra, onde Márcia a encontrou. Quando a enfermeira a levou, tinha um ou dois anos de vida. Passou a ser criada por uma tia que, no entanto, a tratava de maneira diferente das demais crianças. Também nessa aldeia, a trinta quilômetros de distância da outra, vivia a avó de Lulu, Tanumakaru. Márcia afirma ter encontrado a menina desnutrida e com sérios problemas dentários. “A gente estava lá e viu a Lulu daquele jeito. Suja, maltratada. As outras meninas arrumadas e ela maltrapilha”. Márcia diz que, com o consentimento da família, a menina foi tratar-se em Brasília.
Durante um tempo, Lulu morou em uma casa da ONG, com outras crianças que faziam tratamento em Brasília. Foi lá que Damares a conheceu. E acabou estabelecendo com ela uma relação de afeto. Segundo Márcia, a família da menina concordou que ela ficasse na cidade para concluir seus estudos.
Aos 15 anos, Lulu voltou à aldeia. Foi recebida pelos parentes. Chegou a participar de rituais de iniciação na aldeia. Mas não quis voltar a viver lá. Voltou para Brasília e para a casa de Damares. A ministra reconhece que não houve processo formal de adoção, porque Lulu não deixou de ter vínculos com seus parentes na aldeia. Havia, segundo ela, consentimento para a sua permanência em Brasília.
Em entrevista ao site UOL, Kayutiti Lulu Kamayurá confirmou que deixou a aldeia, com autorização de seus parentes, para fazer tratamento dentário. E que conheceu Damares na ONG. Damares teria, segundo conta, se apaixonado por ela. “Foi amor à primeira vista. Ela se apaixonou por mim, e depois eu por ela”, diz Kayutiti. Ela atualmente está em Santa Catarina, trabalhando numa ação missionária.
ISTOÉ falou também com Leandro Kamayurá, que é filho da indígena que criava Kayutiti e se considera seu irmão. “Márcia acolheu a menina, que estava fraca, desnutrida”, diz ele, que vive no Gama, cidade do Distrito Federal. “Lulu foi autorizada por meus pais a sair da aldeia para fazer seus estudos. E ela nunca reclamou de ter saído de lá”, diz ele. “Ela vivia sempre no canto.Está mais feliz agora”, conclui. (Colaborou Wilson Lima)