quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

"Melhor assim", por J.R. Guzzo


A vida de presidente de país subdesenvolvido tem mais espinhos do que rosas, como é bem sabido, e um desses espinhos é o Fórum Econômico Mundial de Davos. 
Um chefe de governo da Alemanha ou da Austrália, por exemplo, vai lá quando os seus assessores julgam conveniente que ele vá, cumpre em 24 horas, ou menos, o programa definido por eles e volta para casa. 
Não lhe passa pela cabeça apresentar alguma demonstração concreta da possível utilidade pública de sua viagem aos Alpes da Suíça, e menos ainda ser julgado pelos “resultados” que obteve. 
Já o chefe de governo de um país tipo Brasil, digamos, tem de “performar”, como gostam de dizer os executivos de hoje em dia. 
Começa a ser cobrado antes de desembarcar em Davos, e não tem mais sossego até esquecerem do assunto uns dias depois de sua volta à Brasília. 
Quantos bilhões de dólares em investimentos ele conseguiu atrair para a economia brasileira? 
“Interagiu” direito com os líderes mundiais que estavam ao seu redor? 
Foi elogiado pelos sábios das ciências econômicas, políticas e sociais presentes? 
Já é muito difícil, em condições normais de temperatura e pressão, atender às expectativas da banca examinadora. 
Se o presidente da República se chama Jair Bolsonaro, então, como é o caso no presente momento da nossa história, aí você já pode esquecer: vai voltar de Davos com um zero no boletim, seja lá o que tenha feito ou deixado de fazer durante sua participação no evento.
Bolsonaro, por tudo o que se disse dessa sua estreia no cenário internacional, não conseguiu acertar uma. Levou para Davos uma comitiva pequena demais, o que, segundo a crítica, mostrou o seu pouco caso com a grandiosidade da conferência. 
Ficou num hotel excessivamente barato, o que seria um desprestígio para a majestade do Estado brasileiro. Foi almoçar num bandejão do centro da cidade, por 19 francos suíços; foi condenado pela prática de “demagogia barata”.
Pior ainda: causou, potencialmente, prejuízos econômicos de valor inestimável para o Brasil, já que deveria ter aproveitado a hora do almoço para levar “grandes investidores”, etc., a algum restaurante de primeira classe e, assim, fechar negócios vitais para o interesse público nacional. 
Que investidores? Que negócios? 
Não foram fornecidas informações a respeito. Seu discurso, de oito minutos, foi acusado de ser “muito curto”, sem que os inquisidores especificassem qual seria a duração correta, em sua avaliação, da fala presidencial. 
Quinze minutos? Vinte? Meia hora?
O conselho de sentença se manifestou particularmente chocado com o que considerou a “superficialidade” das palavras de Bolsonaro. Não esclareceu, em nenhum momento, qual o nível de profundidade que o discurso deveria ter atingido, nem fez qualquer comparação com os discursos dos quatro outros presidentes brasileiros que foram a Davos ─ Fernando Henrique, Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer. 
O que teria qualquer um deles dito de útil, inteligente ou inovador para escapar da reprovação por “superficialidade”? De Fernando Henrique ninguém se lembra mais nada. Lula falou que os “países ricos” deveriam se comportar melhor com os países pobres, ou alguma coisa com esse grau de originalidade. 
Dilma, na prática, entrou muda e saiu calada ─ o que com certeza foi uma grande sorte para todos, levando-se em conta as coisas prodigiosas que costuma dizer a cada vez que abre a boca para falar em público. 
Temer revelou que era importante “fazer a reforma da previdência” ─ o que, francamente, não impressionou ninguém pela profundidade. Em suma: nada que se possa aproveitar nestes últimos 25 anos. Mas como Bolsonaro é Bolsonaro, sua participação foi julgada “um fiasco histórico”.
Tomando em consideração isso tudo, a melhor coisa que Bolsonaro fez em Davos foi não ter comparecido à entrevista coletiva à imprensa que estava no programa ─ e na qual só iria receber perguntas com o teor de qualidade mental que se percebe acima. 
Com uma cirurgia altamente complicada para dali a três dias no Hospital Albert Einstein (tanto que acabaria tendo 7 horas de duração), preferiu repousar um pouco. O público não perdeu absolutamente nada com a sua decisão. O presidente poupou seu tempo e saúde. Melhor assim.

Publicado na Exame