Relator da Medida Provisória que criou a Agência Nacional de Mineração (ANM), o deputado Leonardo Quintão (MDB-MG) retirou do texto a necessidade de que os dirigentes do órgão regulador tivessem experiência no setor e formação acadêmica. Entre as atribuições da agência está a de fiscalizar a situação das barragens, como a do Córrego do Feijão, em Brumadinho, que se rompeu na última sexta-feira, 25, deixando pelo menos 99 mortos.
Quintão, que não foi reeleito, exerce hoje informalmente o cargo de subchefe de assuntos parlamentares da Casa Civil do governo Bolsonaro, na equipe de Onyx Lorenzoni. Ele será responsável por cuidar da tramitação de projetos prioritários do governo no Congresso.
A Medida Provisória 791/2017, editada pelo governo Temer, estabelecia que os dirigentes da ANM deveriam ter experiência profissional de, no mínimo, dez anos na área de mineração, ou quatro anos ocupando cargos de direção em empresa do setor. Eles poderiam, ainda, ter ocupado um cargo comissionado DAS-4, um dos mais altos do setor público, ou atuado como docente ou pesquisador na área, além de terem formação acadêmica compatível.
O parágrafo que exigia esses critérios dos indicados foi retirado do texto por Quintão, ainda na comissão especial. Ele chegou a manter no texto a necessidade de os diretores terem "reputação ilibada e notório conhecimento no campo de sua especialidade", mas, nesse caso, o próprio presidente Temer vetou, alegando que não há essa exigência nas demais agências reguladoras.
Resultado: a lei sancionada por Temer não estabelece nenhum tipo de pré-condição técnica para os diretores. Procurado, o deputado disse que a sugestão partiu de servidores das agências. A reportagem ouviu alguns funcionários da ANM, que negaram a informação. Eles defenderam a inclusão de critérios ainda mais rígidos para a escolha dos diretores.
Quintão disse que retirou as exigências do texto para adequar as qualificações exigidas dos diretores da ANM às das demais agências reguladoras. Um projeto de lei que tramita há anos no Congresso exige qualificação e experiência mínima dos dirigentes e impede a recondução, mas ele não foi aprovado até agora. A legislação atual não impõe restrições aos diretores.
"A expectativa era votar a lei das agências antes da lei da ANM, mas isso não ocorreu", afirmou Quintão. "Fiz isso para que não houvesse discrepância com a legislação atual. Não acho que houve prejuízo, pois as pessoas indicadas foram sabatinadas pelo Senado e aprovadas. Essa avaliação cabe ao Senado."
Na avaliação do deputado, exigir dez anos de experiência na área é algo "muito restritivo". "Isso inviabilizaria a indicação de muitas pessoas. Não acho que seria bom", disse.
A brecha aberta por Quintão permitiu que o Senado aprovasse, no apagar das luzes de 2018, entre o primeiro e segundo turno da eleição presidencial, a indicação do advogado especialista em direito empresarial Tomás Figueiredo Filho, de 37 anos, para a diretoria da agência. Antes da ANM, ele foi deputado estadual pelo Ceará e era filiado ao MDB.
O currículo de Tomás não inclui qualquer experiência com mineração. Além do mandato, ele foi assessor institucional do Senac do Ceará e ex-consultor jurídico da Federação do Comércio do Estado. Seu padrinho é o senador Eunício Oliveira (MDB-CE). O diretor diz que a falta de experiência é compensada "pela qualidade dos técnicos da ANM" e que ele contribui com seus conhecimentos da área de direito.
Além de Tomás, o Senado sabatinou e aprovou os nomes de outros quatro diretores da ANM no final de 2018. Dois diretores inicialmente indicados e que cumpriam as exigências da Medida Provisória original tiveram seus nomes retirados pelo governo: Lília Sant'Agostinho e José Antonio Alves dos Santos.
A geóloga Lília Sant'Agostinho, diretora do Departamento de Geologia e Produção Mineral do Ministério de Minas e Energia, atuou em empresas de consultoria e mineração e foi professora da Universidade de São Paulo (USP) por 15 anos. José Antonio Alves dos Santos foi superintendente do antigo Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM) em Alagoas, além de assessor da diretoria-geral do órgão.
Lília e José Antonio foram substituídos por Tomás e Eduardo Araujo de Souza Leão. Leão é engenheiro ambiental e foi assessor da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia do Pará. Também foi gerente de Meio Ambiente da Vale. Ele foi apadrinhado pelo senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) e pelo ex-governador Simão Janete (PSDB).
Todos os diretores da ANM foram aprovados pelo Senado entre o primeiro e o segundo turno da eleição presidencial do ano passado. Para o cargo de diretor-geral, foi aprovado o nome de Victor Bicca, que já ocupava o mesmo cargo no extinto DNPM.
Também foram aprovados os nomes de Tasso Mendonça Júnior e de Debora Toci Puccini. Tasso é geólogo de carreira da Petrobrás desde 1990. Ele também trabalhou no governo de Goiás como secretário de Indústria e Comércio e de Desenvolvimento Econômico, no Ministério de Minas e Energia e no DNPM.
Débora é geóloga e foi diretora de Mineração e Meio Ambiente do Serviço Geológico do Estado do Rio de Janeiro (DRM-RJ). Ela teve a indicação sustada pela Comissão de Infraestrutura do Senado, após os senadores perceberem que ela era ré na Justiça, acusada de redigir parecer omitindo, segundo a denúncia, o impacto ambiental de um terminal portuário em Maricá (RJ).
Na época, a assessoria de Débora informou que isso não a impedia de assumir uma diretoria da ANM, mas apenas no DRM-RJ. Depois da polêmica, foi aprovada pelo Senado.
Anne Warth e Andreza Matais, O Estado de S.Paulo