Em novembro passado, o professor Ricardo Vélez Rodríguez, de 75 anos, sentou-se diante de Jair Bolsonaro, na Granja do Torto, em Brasília, para uma sabatina. O presidente eleito estava em busca de um nome para comandar o Ministério da Educação, ainda hoje conhecido pela sigla MEC. “Vélez, você tem faca nos dentes para enfrentar o problema do marxismo no MEC?”, perguntou Bolsonaro logo de início. A conversa durou mais de duas horas. Dias depois, o professor, que nasceu na Colômbia e se naturalizou brasileiro em 1997, foi anunciado como o chefe de uma das pastas mais importantes do governo. Todos os dias, quando deixa o ministério, Vélez é involuntariamente lembrado de sua missão original. Na saída do prédio, há um vistoso totem com um mosaico de Paulo Freire, educador celebrado pela esquerda. O ministro não pretende remover o monumento ali instalado durante o governo Lula. “Não sou iconoclasta a esse ponto”, diz. Se tiver oportunidade, no entanto, ele cogita estender a homenagem a outros nomes — um deles, Olavo de Carvalho, o filósofo que o indicou ao cargo, conhecido pelas posições extremadas e pelo palavreado chulo. Na terça-feira 29, Vélez, que fala português com forte sotaque, recebeu VEJA em seu gabinete em Brasília para a seguinte entrevista.
O senhor ficou mesmo surpreso ao receber o convite para assumir o Ministério da Educação? Certo dia, um assessor do presidente me ligou e disse: “Olhe, o deputado Bolsonaro está interessado no seu nome. Caso fosse indicado, o senhor aceitaria ser ministro?”. Eu disse: “Aceitaria, mas queria conversar com o candidato antes de ser convidado”. Isso foi antes da eleição. Mais ou menos na mesma época participei de um almoço com alguns discípulos do Olavo de Carvalho. Eles diziam: “Ô ministro!”. Eu perguntei: “Mas que ministro?”. Eles respondiam: “Nós estamos pensando em sugerir o senhor”. O Olavo indicou o meu nome. Depois da eleição, o assessor me telefonou novamente e disse: “O presidente vai querer entrevistá-lo”. Então vim a Brasília para falar com ele. Eu nunca havia pensado em ser ministro.
Como foi a conversa? A primeira pergunta que me fez o presidente: “Vélez, você tem faca nos dentes para enfrentar o problema do marxismo no MEC?”. Eu disse: “Presidente, é o que faço há trinta anos”. Eu, como professor de universidade pública, fui marginalizado na concessão de bolsas de doutorado e pós-doutorado. Nunca consegui uma bolsa por causa do aparelhamento do MEC pelos petistas.
Petistas? Eles já tomavam conta do ministério desde os anos 1990.
O senhor afirmou em uma entrevista que a universidade não é para todos. O que isso quer dizer? Em nenhum país a universidade chega a todos. Ela representa uma elite intelectual, para a qual nem todo mundo está preparado ou para a qual nem todo mundo tem disposição ou capacidade. Universidade não é elite econômica nem elite sociológica. Nos governos militares, deu-se muita ênfase às universidades. Criaram-se as grandes universidades, que receberam muita verba do governo, desenvolveram-se. E a preparação de professores para o ensino básico e fundamental ficou em segundo plano. Foi um erro.
Por quê? Os primeiros anos do ensino fundamental preparam para o ensino médio. O ensino médio prepara para o vestibular. O vestibular prepara para a universidade. E a universidade prepara para o desemprego. É o funil da insensatez. O que precisamos resgatar no Brasil é a valorização do ensino fundamental e dos cursos profissionalizantes. Além disso, se continuarmos nesse modelo, as universidades vão cair no buraco da inadimplência. Precisamos equacionar uma solução que salve a universidade e que não dependa de pôr mais dinheiro público.
Cobrar mensalidade dos alunos nas universidades é uma alternativa? É uma possibilidade. Gosto do regime vigente na Colômbia. Lá, paga-se de acordo com a renda. Se você é rico paga mais, se é pobre recebe bolsa. Há outras questões importantes. A relação entre professor e aluno nas faculdades públicas, por exemplo, é de um para sete, um para oito. Tem de ser um para vinte, daí para cima. E segundo: tem de haver Lei de Responsabilidade Fiscal para os reitores. Eles são habitantes deste belo país, também estão submetidos à lei. O CPF deles pode ser rastreado pelo juiz Sergio Moro, por que não? Querem mais dinheirinho? Paguem as contas.
O senhor é contra a eleição direta para reitor das universidades federais? Recebi representantes da Andifes (entidade que representa os reitores) no meu gabinete. Disse a eles: “Vamos ser honestos. O tempo é curto, estamos velhos, barrigudos, vamos tratar dos problemas reais da universidade”. Qual é o principal problema de um reitor de universidade federal? O sindicato, que é da CUT, o elege e ele fica refém. O tal Andes (sindicato dos professores de ensino superior) é um monstrengo que persegue o reitor durante todo o seu mandato. Por que não fazer um banco de currículos e ter um comitê que escolhesse os três melhores candidatos? Os nomes seriam apresentados ao ministro ou ao presidente. É um sistema mais correto que esse que envolve o sindicato ou a CUT.
O governo pretende acabar com o sistema de cotas nas universidades? As cotas são uma solução emergencial, e, como tudo no Brasil, o provisório vira definitivo. Essa é a lógica macunaímica brasileira. Isso não conduz a lugar nenhum. Temos de chegar ao momento de eliminar as cotas para dizer que elas não são mais necessárias porque elevamos o nível do ensino fundamental. De imediato, não vamos abolir as cotas, até porque me matariam quando eu saísse à rua. Mas as cotas têm de ser eliminadas com o tempo.
O senhor acha que esse dia está ali na esquina ou levará décadas? Quatro anos é pouco tempo. Mas tenho certeza de que, se fizermos o dever de casa, meu sucessor conseguirá iniciar esse processo.
O senhor pretende mudar a Base Nacional Comum Curricular, aprovada recentemente? Não. Ela já foi fruto de muitos debates, e sou favorável à ideia de ter um roteiro geral para orientar os professores. No entanto, pretendo mexer na interpretação. Se a base serve para que as escolas atinjam determinados objetivos genéricos, tudo bem. Mas isso pode ser adaptado para a realidade de cada escola e região.
O senhor planeja alterar algo da reforma do ensino médio, que reduziu a carga de conteúdo obrigatório e abriu brecha para o ensino técnico? Há muita coisa que precisa ser complementada. Mas, se formos mexer, mexeremos democraticamente. Vai para o Parlamento, será transitado em julgado, sem canetada.
O senhor apoia o projeto Escola sem Partido? Posso dizer uma maldade? Se o José Dirceu (ex-ministro do governo de Lula) achou o fim da picada, é porque o Escola sem Partido deve ser algo bom. Sou contra a ideologização precoce de crianças na escola. A escola não serve para fazer política. A ideologização nas escolas é um abuso, um atentado ao pátrio poder e uma invasão da militância em um aspecto que não lhe compete. Quem praticar isso ostensivamente vai responder à legislação que existe neste país.
A liberdade de cátedra inclui ensinar marxismo, fascismo e liberalismo, ou o senhor discorda? Liberdade não é fazer o que você deseja. Liberdade é agir, fazer escolhas dentro dos limites da lei e da moralidade. Fazer o que dá vontade não é ser livre. Isso é libertinagem. No Brasil, por força de ciclos autoritários, temos uma visão enviesada da liberdade. Liberdade não é o que pregava Cazuza, que dizia que liberdade é passar a mão no guarda. Não! Isso é desrespeito à autoridade, vai para o xilindró. Nossas crianças e adolescentes devem ser formados na educação para a cidadania, que ensina como agir de acordo com a lei e com a moral.
Isso não é perseguição ideológica? Já existe clima persecutório. E é das esquerdas contra os que pensam de modo diferente delas. Se pensa diferentemente do coletivo, você está lascado pelo resto da vida, assassinam a sua reputação. A minha já foi assassinada várias vezes. E isso é um abuso terrível contra o qual temos de nos reerguer com raiva. O PT foi mestre em assassinar reputações. Essa prática fascista, leninista, não pode mais ocorrer.
Mas como evitar que a perseguição de esquerda seja substituída pela perseguição de direita? Doutrinas ideológicas devem ser estudadas apenas no ensino superior. O dever do professor universitário é ensinar aos alunos todas as posições ideológicas e colocar entre parênteses o seu ponto de vista, para não induzir o aluno a adotar o ponto de vista do mestre. Se o mestre for muito bom, o estudante terminará fazendo as escolhas certas.
Por que o senhor acha que a disciplina educação moral e cívica deve voltar ao currículo? Os alunos devem sair do ensino básico e do fundamental sabendo que há uma lei interior em todos nós. Se nós a transgredimos, mesmo enganando até a própria mãe, sentimos uma coisa chamada remorso. A primeira parte dessa disciplina pode ser dada nas quatro primeiras séries do ensino fundamental. Os estudantes podem aprender, por exemplo, o que é ser brasileiro. Quais são os nossos heróis? O PT tentou matar todos eles. Carla Camurati (cineasta) colocou dom Joãozinho (refere-se a dom João VI) como um reles comedor de frango, sem nenhuma serventia. Ele era um grande estadista, um grande herói. Outro ponto: hoje, adolescente viaja. É necessário lembrar que existem contextos sociais diferentes e que as leis dos outros devem ser respeitadas. O brasileiro viajando é um canibal. Rouba coisas dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião; ele acha que sai de casa e pode carregar tudo. Esse é o tipo de coisa que tem de ser revertido na escola.
Se o senhor fosse trocar o busto de Paulo Freire no MEC, quem colocaria no lugar? Do século XIX, Tobias Barreto. Do século XX, Antonio Paim. Do século XXI, Olavo de Carvalho. Ele soltaria um palavrão e me xingaria se soubesse. Aliás, reconheço que Olavo fez um grande trabalho de formação humanística. Muitos jovens saíram do marxismo e se tornaram pessoas de bem lendo Olavo de Carvalho. Então, a obra educadora dele é importante.
Olavo de Carvalho defendeu recentemente o fechamento de universidades públicas. Deve-se dar um descontaço aos xingamentos do mestre Olavo. O efeito prático do que ele diz é para que você mude de atitude. Esse chute é para estimular a pessoa a pensar e a mudar de atitude. Um recurso pedagógico que só um mestre da talha de Olavo de Carvalho pode se dar ao luxo de utilizar.
Gabriel Castro, Maria Clara Vieira, Veja