Pedido de habeas corpus preventivo
mostra que a estratégia da defesa do
chefão petista foi e continua a ser a
transformação de um caso jurídico
em ato político
O Estado de S.Paulo
Lendo-se o caudaloso pedido de habeas corpus preventivo impetrado na terça-feira pela defesa do sr. Lula da Silva no Superior Tribunal de Justiça (STJ), mais uma vez fica claro que os advogados do ex-presidente não estão interessados em defendê-lo objetivamente das acusações que resultaram em sua condenação, em duas instâncias, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A estratégia da defesa do chefão petista foi e continua a ser a transformação de um caso jurídico em ato político, razão pela qual o pedido de habeas corpus transborda de ataques a quem ousou colocar Lula no banco dos réus e, pior, teve o atrevimento de condená-lo à prisão.
Mais uma vez, o sr. Lula da Silva abusa das mais caras garantias constitucionais do regime democrático para, maliciosamente, converter os tribunais em palanques. O habeas corpus, um desses eficazes remédios contra o arbítrio, pode ser pedido, em qualquer pedaço de papel escrito à mão, sem a necessidade de advogado, por qualquer um que considere ameaçado seu direito à liberdade em face do risco de prisão ilegal. Assim, para começo de conversa, não havia necessidade de apresentar um cartapácio para pedir o habeas corpus em favor de Lula, a não ser, é claro, que a intenção fosse fazer do pedido um panfleto eleitoral, em acintoso desrespeito às instituições.
No pedido, os advogados consideram que Lula não pode ser preso, entre outras razões, porque, quando presidente, “implementou diversas políticas de prevenção e repressão à criminalidade organizada”, o que demonstra seu “profundo compromisso” com “o combate à corrupção”. Ademais, diz o requerimento, Lula é “líder absoluto nas pesquisas” para a Presidência e, por esse motivo, “a privação de sua liberdade” traria “prejuízo irreversível ao exercício da democracia no país”. Por fim, a petição adverte que “não há como negar” que a prisão de Lula “terá desdobramentos extraprocessuais, provocando intensa comoção popular” e “influenciando o processo democrático”.
O resto do pedido dedica-se a repetir, uma a uma, a chorumela já rejeitada em dois julgamentos, como se a responsabilidade do ex-presidente ainda estivesse em discussão.
Diante de tudo isso, só se pode presumir que a intenção dos advogados de Lula não é defendê-lo, mas sim denunciar ao mundo que seu cliente é vítima de perseguição política por ser quem é, como se vivêssemos num estado de exceção. Para esse fim, Lula contratou até um advogado australiano, Geoffrey Robertson, para representá-lo no Comitê de Direitos Humanos da ONU – e Mister Robertson não tem decepcionado: segundo ele, a Justiça brasileira é “arcaica” e “enviesada”, sendo incapaz de dar a Lula um julgamento “justo”.
Felizmente, o ministro Humberto Martins, do STJ, a quem coube avaliar o pedido de habeas corpus, não se deixou abalar pelos argumentos politiqueiros dos advogados. Ao indeferir o pedido, o ministro Martins ignorou por completo a ladainha da defesa, atendo-se ao que é matéria de direito. E, segundo o magistrado, não há dúvida: habeas corpus só pode ser concedido para evitar iminente prisão ilegal. No caso de Lula, a prisão nem é iminente, pois a execução provisória da pena só acontecerá depois de esgotados os recursos na corte de apelação, nem será ilegal.
O mérito do habeas corpus ainda será julgado pela 5.ª Turma do STJ. Se lá também for rejeitado, como se espera, não há dúvida que a defesa de Lula levará o caso ao Supremo Tribunal Federal, o que provavelmente era sua intenção desde o início, contando com o fato de que aquela corte tem se mostrado permeável a pressões políticas. Interessa a Lula provocar o Supremo a rever a orientação segundo a qual a execução provisória da pena pode começar logo depois da condenação em segunda instância.
Seria imenso retrocesso se isso acontecesse, antes de mais nada porque significaria que o Supremo acataria casuísmos. Felizmente, a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, disse que revisar a decisão sobre a prisão em segunda instância com base no caso do ex-presidente seria “apequenar” o tribunal. Mais do que isso: pode-se dizer que o Brasil se apequenaria diante de Lula.